Evidências Clínicas da terapêutica com canabinoides em epilepsia
Neurologista e Neurofisiologista Clínico, Hospital Beatriz Ângelo, ULSLO/Centro de referência em epilepsias refratárias, ULSLO/ Hospital da Luz Torres de Lisboa

Evidências Clínicas da terapêutica com canabinoides em epilepsia

A epilepsia é uma patologia caracterizada por uma predisposição cerebral intrínseca para gerar crises epilépticas de forma recorrente e espontânea. A epilepsia é uma das patologias neurológicas mais frequentes, estimando-se que afete 70 milhões de pessoas em todo o mundo. Atualmente, e apesar dos cerca de 25 fármacos anticrises epilépticas (FACE) disponíveis, cerca de 30% dos doentes com epilepsia não têm as suas crises controladas com a associação de 2 ou mais FACE, tendo por isso epilepsias refratárias.

Na tentativa de controlo das crises nestes doentes, nos últimos anos, têm sido desenvolvidos novos FACE com mecanismo de ação complementares aos atualmente existentes, insuficientes no entanto para reduzir significativamente a percentagem de doentes com epilepsia refratária.

É neste contexto que tem havido em anos recentes um interesse crescente no tratamento das epilepsias refratárias com produtos com base na planta de canábis. Esta planta contém mais de 100 compostos canabinoides, sendo os mais abundantes o 9-Tetrahidrocanabinol (THC) e o canabidiol (CBD), ambos atuando nos recetores CB1 e CB2 do sistema endocanabinoide. Os efeitos que estas substâncias têm no sistema nervoso central são atribuíveis à atuação nos recetores CB1, sendo que o THC tem um efeito potenciador de crises epiléticas, enquanto o CBD tem um efeito anticrises epiléticas. Modelos pré-clínicos evidenciaram, no entanto, que os canabinoides atuam em sistemas para além do sistema endocanabinoide, através de mecanismos de ação ainda não totalmente esclarecidos.

Vários casos clínicos e algumas séries de doentes descreveram uma melhoria substancial de crises epiléticas com o uso de diferentes produtos à base de canábis. Os bons resultados destes estudos levaram à realização de ensaios clínicos, randomizados, controlados e contra placebo, e por isso com elevado grau de evidência, utilizando produtos à base de canábis no tratamento das epilepsias. A maioria destes estudos utilizaram produtos enriquecidos em CBD ou CBD purificada, tendo em conta o efeito anticrises epiléticas do CBD.

Num estudo pioneiro publicado em 2016, Devinsky e colaboradores (Devinsky et al. Lancet Neurology) demonstraram a eficácia e tolerabilidade de um novo fármaco à base de canábis, com CBD purificada a 99% no tratamento de crises com componente motor em doentes com diferentes tipos de epilepsia, com destaque para a síndrome de Dravet e Lennox-Gastaut, formas de epilepsia grave, geralmente com início em idade pediátrica.

Posteriormente, foram efetuados ensaios clínicos especificamente nestas síndromes epiléticas, tendo sido demonstrada a eficácia e tolerabilidade do CBD em diferentes tipos de crises, levando a que as entidades reguladoras do medicamento nos Estados Unidos e Europa (FDA e EMA, respetivamente), levassem à aprovação deste fármaco no tratamento das crises associadas a estas síndromes epiléticas.

Um pouco mais tarde, ensaios clínicos utilizando uma metodologia semelhante levaram à aprovação do CBD no tratamento das crises associadas à esclerose tuberosa. Os efeitos secundários associados ao CBD mais frequentemente demonstrados nestes ensaios foram a sonolência, alterações de apetite e diarreia, atribuíveis à ação do CBD nos recetores CB.

Outros estudos efetuados com produtos enriquecidos em CBD, e com menor grau de evidência, demonstraram eficácia no tratamento das crises epiléticas em diferentes tipos de epilepsia. Atualmente, encontram-se em investigação diferentes substâncias enriquecidas em CBD, esperando-se os resultados destes ensaios clínicos em breve.

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