O uso da terapêutica com Canabinoides em Cuidados Paliativos
Professora Associada com Agregação, Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra (FMUC) e Coordenadora do curso de Mestrado em Cuidados Continuados e Paliativos da FMUC

O uso da terapêutica com Canabinoides em Cuidados Paliativos

Os Cuidados Paliativos (CP) são uma “abordagem que melhora a qualidade de vida de doentes e suas famílias frente a problemas associados à doença com risco de vida, através da prevenção e alívio do sofrimento por meio de identificação precoce, avaliação e tratamento impecáveis da dor e outros sintomas, físicos, psicossociais e espirituais” (OMS). Esta abordagem ampla ao doente busca o controlo e alívio do sofrimento causado pela doença avançada e progressiva.

A ONU considera os CP um problema de saúde pública e um direito humano à saúde, de ser livre de tratamentos cruéis, desumanos e degradantes, a que tantas vezes, por medidas fúteis e encarniçadas terapêuticas e diagnósticas, os doentes são sujeitos. Os avanços científicos da medicina, da tecnologia e da técnica desumanizaram em larga medida a relação médico-doente e ajudaram a conquistar maior longevidade, a melhorar a saúde da população e a reduzir, ou até reverter, patologias que afetam significativamente a população, impelindo à descontrolada medicalização. Por isso, debater e refletir sobre questões como a dor e o sofrimento humano e a morte nunca fizeram tanto sentido.

Nos doentes em CP, sintomas como anorexia, náuseas, vómitos, ansiedade, insónia, depressão, dor e fadiga são frequentes, desafiantes e complexos, logo é necessário controlá-los para manter a adesão ao tratamento modificador de doença, que ainda seja adequado, e para melhorar a qualidade de vida. O uso da Cannabis Medicinal (CM) em CP surge como alternativa promissora para alívio de sintomas. Consiste numa preparação padronizada dos principais fitocanabinoides, o THC e o CBD, a partir das flores da planta fêmea Cannabis sativa, que sendo destinada a fins terapêuticos é avaliada pelas autoridades regulamentares, garantindo-se uma composição consistente e constante, ausência de contaminações, consistência entre lotes e o controlo de qualidade.

A integração da CM nos CP tem enfrentado diversos obstáculos, como a escassez de dados de investigação clínica, o conhecimento médico insuficiente, entre outros. Além disso, as opiniões políticas e discussões públicas acentuaram mitos e estigmatizaram o seu uso.

Não é um tratamento de primeira linha, sendo indicado quando as terapêuticas convencionais falham, ou surgem efeitos indesejáveis relevantes. É importante que, antes de prescrever CM, se aborde o doente, se conheçam as suas expetativas, se clarifique a variabilidade de resposta individual, sublinhando que a CM não cura, mas pode ajudar a controlar os sintomas, o sofrimento associado e a reduzir a dose e os efeitos indesejáveis de outros medicamentos.

A administração por inalação/vaporização é das mais comuns, sendo a absorção e início de ação rápidos. As dificuldades de alguns doentes podem limitar o seu uso. Na administração por via oral, o início de ação é mais tardio, mas de maior duração, podendo ser mais útil em doenças crónicas e no controlo de sintomas por períodos de tempo mais longos. A via sublingual permite absorção direta para a corrente sanguínea, tem início de ação mais rápido e as concentrações plasmáticas mais elevadas.

Um resultado realisticamente alcançável com CM é a estabilidade emocional. O doente consegue lidar melhor com a perda e o sofrimento causado por sintomas físicos e psicossociais, particularmente difíceis em situações de fim de vida, alcançando maior serenidade e bem-estar. A CM tem a vantagem de poder controlar vários sintomas em simultâneo. Por outro lado, em situações avançadas de últimos dias ou horas de vida há sintomas que podem ser exacerbados pelo tratamento com CM.

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