A terapêutica canabinoide no alívio da dor oncológica
A canábis medicinal é mais uma esperança no alívio da dor oncológica, como nos explica Artur Aguiar. Assistente hospitalar graduado de Radioncologia no IPO-Porto e especialista em Medicina da Dor, integra o conselho científico do Observatório Português de Canábis Medicinal (OPCM) desde a sua fundação.
“Não e fácil tratar a dor oncológica, que pode ser multifatorial, mas a canábis medicinal é cada vez mais uma hipótese terapêutica”, afirma Artur Aguiar. O radioncologista salienta que este tipo de dor, que pode ser crónica, é muito prevalente. “No momento do diagnóstico, 50% dos doentes apresentam dor, aumentando essa percentagem para 75% em estadios mais avançados da patologia. Entre os sobreviventes, atinge-se os 33%”, especifica. “A situação é ainda mais complicada quando os doentes, que rondam os 10-15%, não respondem ao tratamento com opioides, a terapêutica mais usada.”
A complexidade da dor oncológica deve-se ao facto de ser multifatorial, ou seja, pode ter origem no cancro em si, na cirurgia realizada, na quimioterapia e na radioterapia. Em termos de classificação é frequentemente uma dor que partilha características nociceptivas, neuropáticas e/ou nociplásticas e está, muitas vezes, amplificada por alterações afetivas que afetam estes doentes como o stress, a incerteza e a depressão.
O médico lembra que, sendo uma “dor multifatorial, não existe um medicamento totalmente eficaz”. Atualmente, são utilizados medicamentos como opioides, anti-inflamatórios não esteroides (AINEs), corticoides, antidepressivos, gabapentinoides e anticonvulsionantes, entre outros.
Mas, nos últimos tempos, a canábis medicinal surge como mais uma opção e uma esperança para quem não tem qualquer resposta com as terapêuticas habituais. “A canábis medicinal surge como hipótese de tratamento e como arma para alguns destes componentes multifatoriais da dor.” Para além de atuar ao nível do estímulo nervoso ou sensorial, a canábis medicinal poderá ter repercussões positivas na chamada dor emocional, relacionada com a depressão, ansiedade e insónia. “A canábis medicinal vai atuar não só nas vias neuronais específicas da dor – nociceptores, medula espinal –, mas também em outras áreas do sistema nervoso central (SNC), alterando a forma como a dor é processada no cérebro.”
Artur Aguiar conta que na sua prática clínica é comum ouvir os doentes dizerem que, após este tratamento, mesmo não melhorando de forma significativa em relação à intensidade do quadro álgico, sentem maior bem-estar. “Deixam de valorizar tanto a dor. Estes relatos vão ao encontro do que se tem observado em grandes estudos populacionais, estudos de fase 2, havendo ainda bastante limitação no que diz respeito ao acesso a resultados de fase 3.”
Quanto à resistência em se usar esta nova arma terapêutica, o radioncologista diz que o estigma está a diminuir, desde que há mais estudos e desde que as entidades reguladoras, nomeadamente o Infarmed, aprovaram alguns produtos. “Um dos grandes obstáculos na prescrição é o facto de na academia não serem lecionados estes conteúdos. Mas com a descoberta do sistema endocabinoide, com a categorização dos fitocanabinoides, com a descrição e categorização bioquímica e seus efeitos há cada vez menos resistências.”
O médico reforça que a canábis medicinal não é para uso recreativo, mas para tratamento de alguns doentes que são refratários ou não respondentes aos tratamentos mais utilizados na prática clínica. Além disso, o tratamento deverá ser sempre orientado pelos médicos assistentes para se conseguir identificar a dose mais adequada e garantir a sua segurança.
Artur Aguiar realça, ainda, que os doentes oncológicos também recorrem à canábis medicinal para controlo de efeitos secundários da quimioterapia ou radioterapia como náuseas, vómitos, insónia ou ansiedade, como forma de melhorarem a sua qualidade de vida durante os tratamentos.
MJG
Artigo relacionado