Enxaqueca. “O que não consigo fazer quando tenho crises?”
Farmacêutica e presidente da MiGRA Portugal

Enxaqueca. “O que não consigo fazer quando tenho crises?”

Madalena Plácido tem enxaqueca desde os 10 anos e toma medicação profilática desde os 17 anos, tendo chegado a ter mais de 15 dias de crises por mês. Co-fundadora e Presidente da MiGRA Portugal – Associação Portuguesa de Doentes com Enxaqueca e Cefaleias – luta diariamente para apoiar os doentes e pela valorização destas doenças neurológicas invisíveis e incapacitantes.

A enxaqueca e cefaleias são doenças neurológicas muito incapacitantes e invisíveis. Por isso, as pessoas à nossa volta têm dificuldade em compreender a situação e o que estamos a atravessar, quando estamos com uma crise. Tanto a nossa entidade patronal, a nossa família e os nossos amigos esperam que consigamos fazer, em alturas de crise, exatamente o que fazemos quando estamos sem sintomas.

Não é fácil viver com enxaqueca. Em contexto laboral, esperam que consigamos executar as tarefas no mesmo tempo. A nossa família não compreende porque é que não vamos conseguir estar presentes no jantar de Natal ou num aniversário ou casamento. Os nossos amigos não compreendem porque é que desmarcamos compromissos em cima da hora. Por vezes, até nós próprios criamos expectativas de que vamos conseguir viver sem limitações, e tal não acontece. É difícil gerir essas expectativas e admitirmos aos outros, e a nós próprios, que durante as crises não conseguimos ser as mesmas pessoas. Torna-se mais difícil quando as crises são muito frequentes e a resposta “hoje não consigo ir” e “hoje não consigo fazer” passa a ser uma constante nas nossas vidas.

Houve uma altura em que tinha mais de 15 dias de crises de enxaqueca por mês e sentia-me como se vivesse em “part-time”. O resto do tempo era passado a “sobreviver”, a aguentar uma dor insuportável, a tentar dar resposta à minha atividade escolar ou profissional.

As crises de enxaqueca podem surgir a qualquer momento, quando menos esperamos e quando mais precisávamos de estar funcionais. Por isso, mesmo quando estamos sem crise, existe um medo que nos assombra – “Quando é que vou ter a próxima crise?” ou “O que é que não vou conseguir fazer por causa da crise?”.

Foi no sentido de apoiar mais doentes na mesma situação e de sensibilizar a comunidade para o impacto desta doença que surgiu a MiGRA Portugal – Associação Portuguesa de Doentes com Enxaqueca e Cefaleias, que tem como missão apoiar e representar os doentes, aumentar a compreensão da doença por parte da sociedade e apoiar a investigação científica. Temos vindo a desenvolver várias atividades com este propósito – fazer mais e melhor pelos doentes com enxaqueca e cefaleias.

Muitos doentes acabam por deixar de ter vida social e familiar, pois sabem que as crises vão arruinar uma grande parte dos planos. Por essa razão, preferem não ter planos, para não falharem os seus compromissos. Não compram bilhetes para um espetáculo, não aceitam um convite para um jantar, não assumem responsabilidades adicionais a nível profissional – tudo isto devido à possibilidade de terem uma crise. Esta imprevisibilidade torna-se muito impactante e impede-nos de viver.

A nível pessoal, sempre tentei evitar fechar-me nesta bolha e recuso-me a permitir que a enxaqueca defina a minha vida, mas não tem sido fácil. Quase sempre os planos que faço dão reviravoltas e acabam sempre reajustados. Ao longo do tempo, fui tentando explicar aos que me rodeiam o que é viver com enxaqueca. Eles vêem de perto o que sofro, o que deixo para trás e mostram-se compreensivos. Cada doente tem a sua forma de lidar com a doença e por isso é preciso que as pessoas à sua volta compreendam e prestem o seu apoio.

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