Entrevista: Metade das grávidas relatam adiamento de consultas devido à pandemia

Um estudo promovido pelo Centro de Estudos do Bebé e da Criança e Hospital Dona Estefânia, "COVID-19 e Saúde Mental na Gravidez" revela que 80,3% das grávidas considera que a pandemia teve um impacto negativo na vigilância da sua gravidez, enquanto 26% apresentam sintomas de depressão.

Em entrevista ao SaúdeOnline, a médica pedopsiquiatra Francisca Padez Vieira, em conjunto com a Drª. Joana Mesquita Reis e o Dr. Pedro Rafael Figueiredo, dão a conhecer este estudo e os seus resultados. Os especialistas abordam também as medidas adotadas pela DGS em tempos de pandemia e o impacto destas na relação mãe-bebé.

É possível saber, de forma estimada, quantas consultas e ecografias programadas foram canceladas devido à pandemia?

Segundo os dados da nossa amostra (n=1750), mais de 80% das grávidas inquiridas reportam um impacto negativo da Covid-19 na vigilância da sua gravidez. Destas, cerca de metade (49%) referem que houve adiamento de consultas programadas; impossibilidade ou dificuldade em agendar novas consultas, em 32% dos casos, e cancelamento ou adiamento de ecografias de 1º, 2º e 3º trimestre em 19% dos casos. Cerca de 90%, reportou ainda como negativa a impossibilidade de ir acompanhada às consultas de vigilância obstétrica.

Com base no estudo, 26% das grávidas apresentam sintomas de depressão e 45% apresentam sintomas de ansiedade. De que forma poderá isto afetar as mães e os bebés na altura do parto?

Esta sintomatologia afeta a experiência global da gravidez e a forma como é recordada. Em alguns casos, afetará negativamente a relação mãe-bebé. Os dados sugerem que, no contexto atual de pandemia, poderá existir um aumento significativo de perturbações depressivas e de ansiedade nas grávidas. É importante salientar que estas percentagens foram aferidas a partir do preenchimento de dois questionários de avaliação que apenas indicam a presença de sintomas, sendo que o diagnóstico clínico de doença psiquiátrica só poderá ser realizado através de uma consulta médica de Psiquiatria.

A evidência científica sugere que a depressão e a ansiedade na gravidez estão relacionadas com um maior risco de parto pré-termo, baixo peso à nascença e possíveis alterações ao nível do desenvolvimento e saúde mental do bebé. A depressão na gravidez encontra-se também relacionada com a depressão pós-parto, sendo que mulheres que já apresentaram o diagnóstico no passado são ainda mais suscetíveis. Isto é muito relevante, uma vez que quando identificadas precocemente, estas perturbações podem ser facilmente tratadas em consultas especializadas de saúde mental com impacto positivo na relação mãe-bebé.

Poderá trazer complicações pós-parto, para além daquelas que já são as comuns?

Na fase imediatamente a seguir ao parto, surge em muitas mulheres uma fase de maior instabilidade emocional denominada Baby Blues, que tende a desaparecer espontaneamente após algumas semanas. No entanto, quando estes sentimentos são demasiado intensos e prolongados no tempo, podemos estar perante um diagnóstico de ansiedade e/ou depressão pós-parto na mãe. Sabemos que nestes casos as capacidades maternas podem ser afetadas, levando a situações de maior stress para o bebé e para toda a dinâmica familiar. Nestas circunstâncias, é frequente as mães sentirem-se bastante culpabilizadas, frustradas e desiludidas com elas próprias, sendo muito importante fornecer-lhes um suporte emocional adequado. As mães deprimidas têm mais dificuldade em responder às solicitações do bebé, em envolverem-se em atividades de prazer e podem demonstrar expressões mais negativas, tornando-se menos afetuosas e disponíveis. Os bebés são muito sensíveis ao estado emocional da mãe e, quando existe algum problema, podem vir a demonstrar menor interesse pelo meio envolvente, dificuldades ao nível da linguagem e da comunicação, do desenvolvimento motor e menor capacidade de resolução de problemas.

A segunda parte do nosso estudo pretende, precisamente, avaliar o impacto da COVID-19 no pós-parto, sendo que o inquérito online está a decorrer desde o dia 16 de maio de 2020.

De que forma é que o não acompanhamento dos pais nos partos afeta a mãe e o parto em si?

O momento do parto é vivido de forma muito intensa pelo casal e existe uma enorme expectativa por parte de toda a família alargada. É também um período crítico do ponto de vista de saúde materna, uma vez que podem surgir complicações para a mãe e para o bebé. Nestes momentos, a maioria das grávidas refere vontade de estar acompanhada de forma a partilhar os seus medos e receios com quem lhe é mais próximo. A presença do acompanhante pode minimizar o aparecimento de quadros de stress traumático ligados com a vivência do parto. Concomitantemente, o facto de estar acompanhada pelo pai no momento do parto tende a promover maior bem-estar físico e emocional na mãe, diminuindo possíveis complicações para o bebé.

Quais as repercussões na relação mãe-bebé que podem resultar da medida adotada pela DGS de separar os procedimentos das grávidas dos procedimentos dos recém-nascidos?

Sabemos que o momento do parto é uma altura importante para a ligação precoce entre a mãe e o bebé. O contacto pele com pele e o início rápido da amamentação (quando possível) promove uma relação segura na díade mãe-bebé e isso deve ser incentivado. Por outro lado, e apesar de ainda se estar a investigar a COVID-19 no recém-nascido, as medidas de segurança em relação a uma possível infeção com o novo coronavírus também devem ser acauteladas no momento do parto. Deste modo, os pais devem ser ouvidos e esclarecidos e, após devidamente informados, devem participar no processo de tomada de decisão em relação aos melhores procedimentos a adotar pela equipa médica.

A 19 de maio, a DGS emitiu uma nova norma relativa aos cuidados ao recém-nascido na maternidade que preconiza precisamente a avaliação de cada situação de forma individualizada, envolvendo os pais no processo de decisão relativamente à separação, contacto pele a pele e amamentação.

Haverá uma melhor forma de garantir os procedimentos de segurança sem ter de haver esta separação entre mãe-bebé?             

Os hospitais e restantes estabelecimentos de saúde têm feito um esforço notável de adaptação a esta situação de pandemia. As medidas de segurança e mitigação implementadas continuam a ser essenciais para o controlo da infeção no país, mas consideramos que a saúde mental das grávidas deve ser também uma prioridade. Aquilo que a evidência científica demonstra até agora, é que o risco de transmissão de doença ao recém-nascido é baixo e que a amamentação é segura desde que cumpridas medidas básicas de higiene. É importante que os hospitais tentem ao máximo respeitar a decisão informada dos pais em relação ao local do parto, presença de um acompanhante na sala de parto e medidas de promoção de uma relação segura entre a mãe e o bebé.

AR/SO

 

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