E se houvesse um único Ministério da Saúde e da Segurança Social?
Diretor do Serviço de Medicina Interna do Centro Hospitalar Universitário do Porto Presidente Cessante da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna

E se houvesse um único Ministério da Saúde e da Segurança Social?

A componente social é fundamental na saúde de qualquer pessoa. Não há Cuidados Assistenciais nos Hospitais ou nos Centros de Saúde que possam colmatar a falta de pão na mesa, a habitação decrépita ou a família ausente ou desavinda! Há muito que defendo a existência de um único Ministério da Saúde e da Segurança Social. Talvez isso acabasse com o “jogo do empurra”, em que cada um atira para o outro responsabilidades, que afinal são apenas o resultado do miserabilismo reinante.

Ainda sinto a náusea que me causaram as imagens daquela velha senhora acamada, em que uma enorme chaga do seu corpo era o festim de centenas de formigas! Aquele era um Lar da Misericórdia, com acordo de cooperação com a Segurança Social, que familiares de outros utentes vieram atestar do seu bom funcionamento. Seria um erro, uma desatenção do qual a responsável se desculpou, garantindo não poder voltar a repetir-se. A televisão dos escândalos não quis deixar morrer o assunto, entrevistou o filho da doente, entretanto falecida, que acusou a Instituição de maus-tratos e de ter a visita de um médico apenas uma vez por semana. A verdade, que talvez não seja do desconhecimento geral, é que a lei que rege o funcionamento dos Lares não obriga sequer a esse acompanhamento médico semanal!

Os nossos Lares ou ERPI (Estruturas Residenciais para Pessoas Idosas) há muito que deixaram de ser lugares de recurso para os mais idosos sem família, normalmente ainda com capacidade mental preservada, mas atraiçoados pelos seus défices motores. Continuam a ser entendidos apenas como substitutos do domicílio, sem quaisquer valências de cuidados continuados.  Mas, agora, quem para lá vai tem ainda mais idade, cravada de doenças e enormes sacadas de medicamentos. Por isso, para além das condições físicas do edifício impostas pela lei, também há que os obrigar a terem Médico e Enfermeiro, todos os dias da semana. Mas, há que lembrar que estas mudanças têm custos, que não podem ser imputados às Instituições de Solidariedade Social, que já fazem milagres com o que o Estado lhes dá.

Quando no Hospital se torna evidente a necessidade de orientar um doente para um Lar de Solidariedade Social, passada que está a doença aguda que ditou o internamento, deparamo-nos com as reformas miseráveis dos nossos idosos! Sei de todas as explicações financeiras que o explicam, como a falta de contribuições durante a vida produtiva. Não quero saber. Não percebo como é que aquela pessoa vive há mais de 10 ou 15 anos com 330 euros por mês!

A esforçada Assistente Social prepara o processo para integração da doente no Lar, que envia à equipa de gestão de vagas da Segurança Social, mas a soma da reforma com a contribuição do Estado (cerca de 450 Euros), sem família a ajudar, não atinge o valor necessário. Assim, o doente tem de permanecer no Hospital durante vários meses, pois há uma quota muito limitada de vagas para estes utentes de tão baixos rendimentos. Isto, já é chocante quanto baste. Mas, ainda o é mais, quando a família existe, sem condições para receber o doente, mas resiste à sua integração no Lar ou na Rede Nacional de Cuidados Continuados, porque a parca reforma do velho já faz parte do orçamento familiar. É bom que se mantenha vivo, mas no Hospital, que é o único sítio em que a reforma é preservada.

O investimento na Segurança Social é muito urgente. A oferta de Lares tem de ser alargada, de forma a dar resposta às necessidades gritantes dos nossos velhos e pobres doentes, que não podem estar sujeitos a uma vaga mais difícil, por culpa de terem uma reforma miserável! E também têm de ter resposta nos Lares os doentes que estiveram internados numa das tipologias da Rede Nacional de Cuidados Continuados, mas não têm casa para voltar! Se isto não se fizer, todo o SNS será cada vez mais ineficiente. Talvez para júbilo de alguns.

 

 

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