31 Mar, 2023

“É importante mantermos uma abordagem interdisciplinar [ao doente com AVC]”

Luísa Rebocho, responsável pela Unidade de Acidente Vascular Cerebral (AVC) do Hospital do Espírito Santo de Évora, fala dos desafios da abordagem e do tratamento dos doentes com AVC, das assimetrias existentes nos cuidados de saúde e do papel do internista no que respeita a estes doentes.

Quais os principais desafios no acompanhamento de um doente com AVC?

Os desafios existem em dois tempos. Na fase aguda, assegurando o acesso ao tratamento indicado e adaptado a cada situação de acordo com tipo de AVC, o internamento em Unidade de AVC e identificação de etiologia, para além do acompanhamento, orientação e apoio, sem nunca esquecer a necessidade de estabelecer nessa fase um plano de reabilitação. Após a fase aguda, o controlo e gestão de fatores de risco e de todas as complicações médicas e não médicas. Acima de tudo assegurar a melhor forma de evitar a recorrência. Nestes desafios salientar a importância de mantermos sempre uma abordagem interdisciplinar.

Ainda há muitos doentes a pedirem ajuda demasiado tarde?

Estávamos a entrar no bom caminho, a começar a colher frutos das campanhas dos sinais de alerta (saber reconhecer os sinais é poupar tempo no tratamento e “tempo é cérebro”) e da prevenção (fatores de risco vasculares, hábitos de vida saudáveis, entre outros). Durante a situação pandémica covid-19, vimos muitos doentes a evitarem ou a chegarem tarde aos hospitais.

Nessa altura foi lançada uma campanha #AVCNÃOFICAEMCASA, na tentativa de sensibilizar a população para o risco de protelar a vinda aos hospitais. Atualmente, parece-me que temos novamente que refazer o caminho do alertar para que “Tempo é Cérebro”, voltando a sensibilizar para a importância do reconhecimento dos sintomas e ativar “Via Verde do AVC” o mais cedo possível.

“Estávamos a entrar no bom caminho, a começar a colher frutos das campanhas dos sinais de alerta e da prevenção.”

Existem alguns sintomas que podem passar despercebidos mais facilmente, nomeadamente em populações mais vulneráveis como os idosos?

O idoso pode ter várias comorbilidades clínicas, o que por si só devia ser um sinal de alarme para os sintomas que das mesmas poderão advir. Se a este aspeto considerarmos o envelhecimento cerebral – deterioração cognitiva, desidratação, alterações eletrolíticas, fragilidade dos vasos e, muitas vezes, os quadros confusionais agudos, temos de estar atentos, profissionais e família/cuidador, porque podem ter alguns sinais e sintomas semelhantes aos vasculares. É importante não os negligenciar, pois podem não apenas ser semelhantes.

“O idoso pode ter várias comorbilidades clínicas, o que por si só devia ser um sinal de alarme para os sintomas que das mesmas poderão advir.”

Em Portugal, a Via Verde veio trazer grandes mudanças. Mas após essa fase aguda, considera que está a ser dado o acompanhamento necessário nas diferentes regiões do país?

As assimetrias existentes nos cuidados de saúde são do conhecimento público, com a carência de recursos humanos, as condições de acesso, a disponibilidade de meios. É nítida a assimetria entre o norte e o sul, entre o litoral e o interior. No entanto, parece-nos que tem vindo a ser feito um esforço para a reorganização das equipas envolvidas neste acompanhamento, diferenciando-as, sendo cada vez mais necessário uma adequada gestão dos recursos disponíveis. Estamos ainda longe do ideal, mas todos os dias tentamos caminhar nesse sentido.

Ao longo de todo o processo, desde o diagnóstico à reabilitação, qual o papel do internista?

O internista, pela sua formação de base e, posteriormente, pela diferenciação, tem as competências necessárias para iniciar o processo ainda antes do diagnóstico do AVC – pela gestão dos fatores de risco e/ou de outras doenças que podem contribuir como risco para a doença vascular cerebral. No diagnóstico e no seguimento do processo de tratamento na fase hiperaguda, nomeadamente e caso se justifique, na realização de trombólise, o internista está qualificado, como qualquer especialidade que se diferencie nesta área, para a realizar. As Unidades de AVC, sempre assumidas com a medicina interna, fazem a otimização de protocolos e de recursos.

Diria que no seguimento destes doentes, desde a entrada no hospital, passando pelas unidades de AVC, pelas enfermarias, no processo de reabilitação, nas consultas externas e em atividades de literacia em saúde, o internista é elemento fulcral de uma equipa multidisciplinar, regida pelo princípio da interdisciplinaridade.

“O internista tem as competências necessárias para iniciar o processo ainda antes do diagnóstico do AVC.”

 

SO 

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