Cuidados Paliativos. A diferença entre Portugal e França
Carla Rodrigues, médica IFE de Medicina Geral e Familiar

Cuidados Paliativos. A diferença entre Portugal e França

Eis-me aqui, na Cidade Luz, Paris, instalada numa sala de descanso onde tenho a sorte de vislumbrar a Torre Eiffel. Neste momento pós-prandial e acompanhada pelo meu café, reflito sobre as diferenças que encontro em relação ao meu país, não são elas poucas.

Alguma vez seria possível, com a correria de ver 20 pacientes por dia no Centro de Saúde, estar nesta situação? A relaxar e a tomar o meu café, enquanto aguardo o início da reunião de serviço? Impensável. Se estivesse em Portugal, provavelmente ainda estaria a dar início à minha hora de almoço, em modo fast, para de seguida observar dezenas de não presenciais (exames, relatórios).

Acompanho neste momento equipas de cuidados paliativos, a minha área de eleição, que disponibilizam grande parte do seu tempo em prol dos seus doentes. Consistem em melhorar a qualidade de vida do doente e família, prevenir e aliviar o sofrimento, diagnóstico e tratamento precoce, quando perante doenças graves/crónicas/complexas/progressivas, não se aplicando apenas em situações de fim de vida, como pensado por muitos.

São prestados por equipas interdisciplinares (médico, enfermeiro, psicólogo, nutricionista, assistente social, entre outros), que infelizmente ainda têm uma resposta muito escassa no nosso país. Os cuidados mantêm-se no processo de luto e apoio à família.

Esta equipa de trabalho em Paris, constituída por médico, enfermeiro e auxiliar, têm a seu cargo dois doentes diários, e quando lhes é atribuído um terceiro, por uma entrada recente, já se sente alguma agitação. E eu continuo aqui na minha reflexão: “Mas afinal quem está errado? São eles que dão tudo de si aos poucos doentes, ou somos nós que, que sugamos diariamente toda a nossa energia e mais alguma em prol do descontentamento constante dos nossos doentes? Onde vamos chegar afinal?”

Sinto um conforto e uma amabilidade constante nesta instituição, uma paz que não senti em nenhum outro lugar por onde passei. A minha manhã inicia com a passagem de turno, onde todos nos juntamos, não só por questões profissionais, mas onde partilhamos café e umas belas risadas. Chego ao serviço e sou recebida com um “Bom dia!”, porque as pessoas fazem o esforço de falar a minha língua materna para me fazerem sentir em casa. E não é que sinto mesmo?

Vamos então dar início aos cuidados de higiene. “Qual a música que quer ouvir hoje, Sr. L?”, “Hoje prefiro ouvir Mozart. Sempre fui vendedor de discos e a música clássica fez parte da minha vida.”

E então começa o seu momento de relaxamento que termina com uma massagem corporal. “O que precisa mais Sr. L?”, “Preciso que continuem aqui do meu lado e me façam sentir que faço parte desta família, que são todos vocês.” É verdadeiramente gratificante.

Continuo aqui nos meus pensamentos: Porque não temos isto em Portugal? Porque não temos tempo para os nossos doentes? Má gestão, digo eu.

Está a ser uma experiência verdadeiramente positiva este estágio de um mês em cuidados paliativos em Paris, mas há tanta coisa do nosso Portugal que me faz falta. O namorado, a família, os amigos e acima de tudo, o tempo. Esse que é verdadeiramente precioso. O tempo para estar com os meus, para ir à praia, ao cinema e simplesmente viver. Porque a vida é muito mais do que o trabalho e com estes doentes tenho aprendido muito sobre os verbos “aproveitar” e “viver”.

Paris foi um prazer conhecer-te, mas está no momento de regressar a quem me faz feliz. Como dizia Antoine de Saint-Exupéry “C’est le temps que tu as perdu pour ta rose qui fait ta rose si importante”.

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