Cavernomas. Lesões podem requerer apenas “vigilância apertada”
Sem nunca ter tido conhecimento prévio relativamente à doença, Carla Alvim foi diagnosticada com quatro cavernomas. Mais tarde, com o intuito de dar a conhecer a complexidade desta lesão, a doente criou o Núcleo Cavernoma Portugal. Ao SaúdeOnline, Carla Alvim e Vítor Moura Gonçalves, neurocirurgião no Hospital Lusíadas Lisboa, falam sobre esta patologia.

Num dia comum, Carla Alvim acordou com um episódio de convulsões, consequência de um ataque epilético. O diagnóstico veio depois: quatro cavernomas, provenientes de uma malformação vascular, sendo que um “cresceu, de tal modo, que rebentou e provocou uma hemorragia”, explica a doente.
Como resultado, Carla Alvim acabou por ficar reformada por invalidez com 72% de incapacidade e teve de “aprender a viver com limitações”, nomeadamente motoras e cognitivas.
Dos quatro cavernomas diagnosticados, três foram removidos, uma vez que eram de fácil acesso para a realização do procedimento cirúrgico. O quarto, devido à sua localização, não foi possível retirar. Carla afirma que a lesão que não foi retirada a afeta em algumas atividades motoras, como nadar e correr, mas não a impede de andar. Este cavernoma é vigiado, regularmente, através de ressonância magnética.
“Num grupo de 625 pessoas, uma pessoa tem cavernoma, mas a maioria não é diagnosticada porque se trata de uma lesão assintomática. Num grupo de 2.700 pessoas com cavernomas, uma tem sintomas”, revela a diretora geral do Núcleo Cavernoma Portugal, com base em informação da European Cavernoma Alliance.
Fazendo uma retrospetiva, Carla aborda dois sintomas que, tendo em conta o conhecimento atual que tem da doença, acredita poderem estar relacionados com a mesma. “A minha memória começou a ficar afetada”, diz, além de uma sensação de “choro fácil” e de irritabilidade, algo que refere como incomum.
Por sentir estas diferenças no seu dia a dia, em outubro de 2018, Carla consultou o médico de família. Relatando as queixas, foi-lhe diagnosticado um esgotamento nervoso derivado do stresse laboral e receitada medicação. Ficou marcada uma consulta de reavaliação para um ano depois.
Contudo, um dia antes, deu-se o episódio epilético e Carla foi internada. Após o diagnóstico de cavernomas, a doente revela que durante cerca de dois anos continuou a tentar trabalhar, mas precisou de pedir baixa sucessivas vezes, pelo que, mais tarde, devido à sua condição de saúde, acabou por ser indicada para a reforma por invalidez.
Carla Alvim salienta que o seu caso é extremo e que, “felizmente, nem todos são assim”. Porém, reforça que devido à diversidade e complexidade dos cavernomas, a divulgação da doença é de extrema importância.
“Criei o Núcleo Cavernoma Portugal para dar a conhecer a complexidade desta doença e os sintomas que são semelhantes a outras patologias muito mais comuns”, nomeadamente dores de cabeça, falha de memória, tonturas, problemas de equilíbrio, dificuldade de concentração, cansaço, convulsões, visão dupla, fala arrastada, dificuldade de coordenação motora, entre outros.
“Existem genes bem conhecidos, associados a lesões vasculares com risco familiar”
Vítor Moura Gonçalves, neurocirurgião, explica que os cavernomas são lesões vasculares malformativas, constituídas por “um aglomerado de capilares sanguíneos, que apesar de apresentarem uma configuração compactada e bem circunscrita, têm canais vasculares com paredes anormais e irregulares”. No seu interior, contêm sangue que circula lentamente e que se apresenta em diferentes fases da formação do trombo, desde sangue organizado a sangue dissolvido.
Apesar de ser uma lesão vascular de baixo débito, existe o risco de sangramento (cerca de 0,08%). Podem também calcificar ou trombosar espontaneamente, sendo que, nestas situações, o risco de hemorragia diminui.
Vítor Moura Gonçalves indica que, regra geral, estas lesões são superficiais. Relativamente à localização, o especialista afirma que os mais comuns são os cavernomas cerebrais, que se encontram no parênquima encefálico. Dentro do encéfalo, os mais frequentes são os supratentoriais, ou seja, os que se encontram no hemisfério cerebral. Podem também estar localizados no tronco cerebral, situação que, de acordo com o neurocirurgião, não é tão frequente. Ainda menos comuns são os cavernomas localizados na medula espinhal, sendo que, geralmente, os doentes que apresentam este tipo de cavernoma têm um risco acrescido de desenvolver cavernomas cerebrais.
Quanto às formas de apresentação, estas lesões podem ser esporádicas, genéticas, ou resultantes de tratamentos de radioterapia. Nas esporádicas, a malformação vascular surge espontaneamente. As hereditários são decorrentes de alterações genéticas e, segundo o neurocirurgião, “existem genes bem conhecidos, associados a lesões vasculares com risco familiar”. Além disso, podem também surgir após tratamentos de radioterapia dirigidos a outro tipo de patologias.
Vítor Moura Gonçalves alerta que, “os familiares de primeiro grau de doentes que tenham mais do que um membro na família com cavernoma devem fazer despiste, seja através de ressonância ou de estudo genético”.
Em termos de diagnóstico, o exame de eleição é a ressonância magnética, “que permite, de forma precisa e com grande sensibilidade e especificidade, detetar cavernomas que se apresentam com uma configuração semelhante a uma pipoca, o designado ‘padrão em pipoca’”. Este exame permite também perceber se existiu hemorragia associada ou não. “Muitas vezes, os cavernomas apresentam um halo de hemossiderina em torno da lesão, que traduz a ocorrência prévia de uma pequena hemorragia”, refere o especialista.
“A ressonância magnética é um exame dispendioso, que consome recursos e muito tempo”
Apesar de o diagnóstico desta doença não ser feito até que a mesma deixe de ser assintomática, ou que a pessoa realize uma ressonância magnética que permita visualizar um cavernoma, Vítor Moura Gonçalves afirma que não é viável fazer o rastreio populacional desta patologia, uma vez que o binómio risco-benefício não favorece esta opção.
Além disso, uma vez que o risco de sangramento é muito baixo, “não existe nenhuma evidência científica que nos leve a recomendar a realização deste tipo de exames como forma de rastreio”. “Sendo a maioria dos cavernomas assintomáticos, a estratégia terapêutica a seguir nestes casos consistirá na vigilância clínica, neurológica e imagiológica. Alguns cavernomas são encontrados em TAC ou ressonâncias que são feitas por outros motivos, requerendo apenas uma vigilância apertada”, afirma.
Quando há possibilidade de remoção completa, a cirurgia é o único procedimento que permite curar a lesão. Porém, só deve ser realizada em lesões acessíveis, cujo risco cirúrgico seja baixo e inferior ao benefício da intervenção. Podem também ser submetidos a cirurgia os doentes que apresentem défices neurológicos, ou que tenham epilepsia refratária ao tratamento médico, sendo esta a principal manifestação dos cavernomas. Vítor Moura Gonçalves acrescenta, ainda, que a cirurgia também se recomenda nos casos de doentes com hemorragias frequentes e reincidentes.
Questionado relativamente ao pós-operatório de doentes com cavernomas, Vítor Moura Gonçalves afirma que segue vários doentes que foram submetidos a cirurgia e que, hoje em dia, “levam uma vida perfeitamente normal, sem qualquer tipo de limitação”. “O risco depende, sobretudo, da localização e do tamanho da lesão, e se está a causar défice neurológico ou sintomas intratáveis, mas quando os doentes são abordados cirurgicamente é porque o caso exige.”
Apesar de, na generalidade dos casos, o risco de hemorragia ser muito baixo, o neurocirurgião salienta que existem situações mais graves, de doentes com lesões múltiplas ou localizadas em zonas funcionalmente importantes, que têm indicação para tratamento cirúrgico. Nestas circunstâncias, o “risco de surgirem défices neurológicos permanentes poderá atingir cerca de 20% dos casos, e o risco de mortalidade, de 5%, também não é desprezível”. Ainda assim, estes constituem uma minoria dos casos, conclui.
Cláudia Gomes
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