18 Mai, 2023

Cancro do ovário. “Após o diagnóstico, a alimentação não cura o cancro, mas é uma aliada”

Lúcia Correia, ginecologia do IPO Lisboa, destaca a importância da nutrição no cancro do ovário. Em entrevista aponta para alguns mitos relacionados com a alimentação do doente oncológico e que devem ser desmistificados pelo profissional de saúde.

Foto: IPO Lisboa

Qual a incidência do cancro do ovário em Portugal?

O cancro do ovário é o terceiro cancro ginecológico mais frequente em Portugal (a seguir ao cancro do endométrio e do colo uterino) e o sétimo cancro do sexo feminino em todo o mundo. Estima-se que, em Portugal, sejam diagnosticados anualmente cerca de 560 novos casos (dados GLOBOCAN 2020).

 

A que sintomas se deve estar atento?

Infelizmente, o cancro do ovário, na sua forma mais comum, surge associado a sinais e sintomas muito inespecíficos e insidiosos, facilmente atribuíveis a outras causas. As doentes podem queixar-se de dor/desconforto pélvico ou abdominal, enfartamento, cansaço fácil, aumento do volume abdominal, queixas intestinais ou urinárias. Não existem sintomas típicos de cancro do ovário, mas perante queixas como as atrás referidas, o cancro do ovário deve surgir como hipótese diagnóstica possível. Mais raramente, podem ser assintomáticos e surgirem como achados em exames radiológicos ou cirurgias realizadas por outro motivo.

“A taxa de sobrevivência global aos 5 anos do cancro do ovário ronda os 50%, mas este valor varia de acordo com o subtipo histológico”

Qual a sobrevivência, tendo em conta os atuais tratamentos?

A taxa de sobrevivência dos cancros é geralmente apresentada em percentagem de doentes vivas aos 5 anos após o diagnóstico. A taxa de sobrevivência global aos 5 anos do cancro do ovário ronda os 50%, mas este valor varia de acordo com o subtipo histológico e, principalmente, com o estádio da doença ao diagnóstico. Exemplificando: tumores diagnosticados no estádio I (limitado ao ovário) têm uma taxa de sobrevida aos 5 anos de 92%, diminuindo este valor para cerca de 30% quando diagnosticados em estádio IV. Nos últimos anos surgiram novos grupos farmacológicos que têm permitido um aumento da sobrevivência livre de recidiva ou progressão.

 

Qual o impacto da Nutrição no cancro do ovário, quer na prevenção de uma neoplasia quer durante e após a doença?

A adoção de uma alimentação saudável (geralmente enquadrada num contexto de estilos de vida saudáveis, associada à prática de exercício físico, ausência de hábitos tabágicos ou alcoólicos) é um fator determinante no combate à obesidade e a obesidade é um dos fatores de risco modificáveis para cancro do ovário. É neste contexto que a “nutrição” tem impacto na prevenção do cancro do ovário. Após o diagnóstico, a alimentação não cura o cancro, mas é uma aliada em duas frentes: por um lado, boas reservas nutricionais ajudam a recuperar dos tratamentos, por outro, a alimentação pode ser usada como adjuvante na gestão dos sintomas mais frequentes, como por exemplo as náuseas e vómitos, alterações do trânsito intestinal, anemia, aumento de peso, entre outros. Para além disso, menos massa gorda, ou se preferimos, uma maior percentagem de massa magra está associada a uma maior tolerância aos tratamentos e consequentemente melhores desfechos.

“A nossa principal mensagem deverá ser a promoção da dieta mediterrânica, o consumo dos vários grupos alimentares (incluindo água) em proporções e doses adequadas”

Quando se pensa em cuidados com a alimentação surge, na população, a ideia de que é preciso ter dinheiro. É um mito?

 Considero que é um mito. No geral, uma alimentação saudável não é mais cara. Não devemos é confundir saudável com “biológico”.

 

Que outros mitos existem na alimentação de um doente com cancro?

Diria que o principal mito se prende com a necessidade de evitar alguns alimentos (doces, carne, café).  A questão mais frequente das doentes é, sem dúvida, que alimentos deve evitar. E talvez o segundo mito mais prevalente seja a necessidade de suplementos. E há muita publicidade a este tipo de produtos, apregoando efeitos fantásticos. A nossa principal mensagem deverá ser a promoção da dieta mediterrânica, o consumo dos vários grupos alimentares (incluindo água) em proporções e doses adequadas, porque esta mostrou ser benéfica no contexto oncológico.

 

Considera que os ginecologistas devem sempre falar sobre Nutrição? E é possível face ao tempo de consulta e à sobrecarga de trabalho?

Se um ginecologista, por definição, se dedica à prevenção, diagnóstico e tratamento das doenças do sistema reprodutor feminino, considero que haverá sempre oportunidade para abordar o tema genérico da alimentação saudável numa consulta de Ginecologia. Para além de que, a alimentação é um assunto cada vez mais abordado pelas próprias doentes oncológicas. Relembro que uma doente oncológica terá múltiplas consultas (neste caso de Ginecologia), pelo que, em alguma delas, a alimentação poderá ser o tema principal. Casos mais difíceis e esquemas alimentares específicos devem ser referenciados para outros grupos profissionais, nomeadamente nutricionistas que constituem as nossas equipas multidisciplinares.

 

Texto: Maria João Garcia
Notícia relacionada
Especialista alerta para mortalidade do cancro do ovário
Print Friendly, PDF & Email
ler mais
Print Friendly, PDF & Email
ler mais