Cálcio e vitamina D: Fundamentais para a boa “saúde” do osso

A ingestão de doses adequadas de cálcio e vitamina D, “mais do que para tratar a osteoporose, é fundamental para a boa “saúde” do osso e deve fazer parte integrante de qualquer estratégia de natureza preventiva”, refere o diretor do Serviço de Medicina Física e de Reabilitação do Centro Hospitalar Lisboa Norte (CHLN).

Nesta época de confinamento, qual é o papel da vitamina D, particularmente na população idosa?

A vitamina D é uma substância singular, que nos últimos anos tem vindo a despertar interesse crescente na comunidade médica.

Desde logo por não se tratar de uma verdadeira vitamina, já que as suas caraterísticas e o seu comportamento aproximam-na mais de uma hormona.

A principal fonte de vitamina D, em circunstâncias fisiológicas, resulta da ação dos raios solares sobre a pele. Cerca de 70 a 80%. A radiação ultravioleta B atua sobre o 7-desidrocolesterol, transformando-o em vitamina D3 ou colecalciferol. A restante parte é obtida através da dieta (as principais fontes alimentares são os peixes gordos, principalmente o fígado).

A vitamina D3 (colecalciferol), produzida na pele ou proveniente da dieta (de origem animal ou vegetal – vitamina D2 ou ergocalciferol), tem ainda de sofrer duas reações de hidroxilação – no fígado, onde é convertida em 25-hidroxicalciferol (calcidiol) e no rim, onde é convertida em 1,25-dihidrocalciferol (calcitriol), que é a forma biologicamente ativa.

A síntese cutânea de Vitamina D está dependente de vários fatores, como a latitude geográfica, a estação do ano e a hora do dia, a superfície corporal exposta ao Sol e a duração da exposição, a pigmentação da pele, o uso de cremes contendo filtros para proteção solar, a obesidade e a idade.

A vitamina D foi conhecida durante muitos anos apenas pelo seu papel na regulação do metabolismo do fósforo e do cálcio e na mineralização do tecido ósseo.

A ação da vitamina D, tal como das outras hormonas envolvidas na homeostasia do cálcio e do fósforo (paratiroideia e calcitonina) vai exercer-se em três órgãos alvo – intestino, rim e osso. No intestino, aumentando a absorção de cálcio; no rim aumentando a sua reabsorção e, no osso, estimulando os osteoblastos, o que levará secundariamente à osteoclastogénese e ao aumento da atividade osteoclástica. A nível ósseo é ainda indispensável para a adequada mineralização da matriz óssea, conduzindo a sua deficiência ao raquitismo na criança e à osteomalácea no adulto.

Atualmente a descoberta de recetores para a vitamina D em diversos tipos celulares, distintos dos relacionados com o metabolismo ósseo, nomeadamente em outros órgãos e sistemas (muscular, imunitário, cardio-vascular, neurológico, etc.) faz antever uma grande variedade de papéis fisiológicos.

Algumas destas ações não são ainda completamente conhecidas, mas esta circunstância e a constatação de que a população em geral e certos grupos populacionais em particular, nomeadamente os idosos, apresentam níveis deficientes ou insuficientes de vitamina D, levou a que nos últimos anos se tenha assistido a um interesse crescente por esta substância.

Para alguns, esta situação constitui uma verdadeira pandemia de hipovitaminose D e um problema de saúde pública. Para outros, nem tanto, pelo que se reconhece que esta é uma questão que atualmente suscita bastante controvérsia na comunidade científica.

Pode, no entanto, afirmar-se que determinadas circunstâncias, como a baixa exposição solar, a dieta inadequada, a medicação com determinados fármacos e as alterações da função renal, apresentam um elevado risco para o défice de vitamina D. E estas circunstâncias são mais prevalentes nos indivíduos idosos.

Convém referir ainda uma entidade relativamente nova e a que também tem vindo a ser dada crescente importância – o síndroma de fragilidade do idoso (frailty syndrome”).

Esta entidade, que se carateriza por sarcopenia, diminuição da força muscular, da resistência à fadiga, e da velocidade de marcha, bem como por perda de peso não intencional, parece apresentar uma correlação com o défice de vitamina D.

O confinamento, decorrente da pandemia pelo SARS-CoV-2, veio seguramente agravar algumas destas condições, a começar pela exposição solar, o que deverá merecer, no mínimo, a ponderação sobre a necessidade de administração de vitamina D a estes doentes.

Nos doentes com osteoporose, a suplementação poderá ser feita com uma associação de cálcio e vitamina D? Quais são as vantagens?

A ingestão de doses adequadas de cálcio e vitamina D, mais do que para  tratar a osteoporose, é fundamental para a boa “saúde” do osso e deve fazer parte integrante de qualquer estratégia de natureza preventiva.

Se, por um lado, não existe evidência científica de que a administração isolada de cálcio em doentes com osteoporose tenha eficácia antifraturária, por outro, todos os fármacos antiosteoporóticos demonstraram a sua eficácia, sempre em combinação com cálcio e vitamina D.

Estima-se que a necessidade diária da população adulta em cálcio elementar, seja de 1000 a 1200 mg/dia. Pensa-se também que a maioria da população adulta portuguesa não atinja este patamar de ingestão mínima recomendável.

A toma isolada de suplementos de cálcio, isto é, sem a toma concomitante de vitamina D, tem suscitado também alguma polémica. Isto, porque alguns estudos mostraram que a ingestão de cálcio superior a 800 mg/dia estaria associada a um aumento moderado de risco de EAM, embora não se tivesse verificado qualquer aumento de mortalidade. Tal não foi, no entanto, demonstrado quando a dieta do doente era deficitária em cálcio ou quando associado a vitamina D.

Não sendo geralmente necessário utilizar doses diárias de cálcio (repartidas entre a alimentação e suplementação) superiores a 1500 mg/dia, a associação de preparados de cálcio e vitamina D, nas doses recomendadas, pelas razões apontadas e também por comodidade posológica, parece ser inequivocamente uma boa opção terapêutica.

Qual é a dosagem segura para a utilização de vitamina D, particularmente nos doentes com osteoporose?

Antes de referir qual a dosagem segura, importará definir quais os níveis de concentração plasmática em que se considera que, num adulto, poderá haver falta de vitamina D. E refiro falta de vitamina D propositadamente, porque convém precisar bem dois conceitos – o de insuficiência e o de deficiência.

Assim, apesar de não haver unanimidade completa, é atualmente consensual considerar-se que abaixo da concentração plasmática de 25-hidroxivitamina D de 20 ng/ml de (50 nmol/L) estaremos num patamar de insuficiência e que na faixa  entre 20 a 30 ng/mL (50 a 75 nmol/L) estaremos num patamar de deficiência. Sendo que valores superiores de 30 ng/ml (75nmol/L), são considerados suficientes e acima de 100 ng/ml (250 nmol/L) são considerados em excesso. Apenas se consideram valores de intoxicação, acima de 150 ng/ml (250 nmol/L).

A própria forma de efetuar o doseamento sérico da 25- hidroxivitamina D está sujeita a alguma discussão, quer pela existência de diversos métodos laboratoriais, quer ainda por alguma variação, não despicienda, entre testes.

A norma da Direção-Geral da Saúde (004/2019) para a vitamina D preconiza, nas situações em que a suplementação está indicada, a utilização de doses diárias de 600 U.I e 800 UI respetivamente, acima e abaixo dos 70 anos. Estes valores estão dentro da maioria dos intervalos propostos por diversos autores e por diferentes sociedades científicas.

Considera ainda a referida norma que, nalgumas circunstâncias, podem ser empregues doses diárias de 1000 UI a 2000 UI e que não deverá ser ultrapassado o limite de 4000 UI dia.

Alguns autores referem mesmo que numa população saudável, doses diárias de até 10.000 UI dia, usadas de forma continuada, não provocaram toxicidade.

Por isso, em algumas circunstâncias, nomeadamente por necessidade de adesão à terapêutica farmacológica, podem ser prescritas doses de 50 000 UI de vitamina D, (doses de carga) administradas semanalmente, durante alguns meses, em vários esquemas terapêuticos.

Esta grande janela terapêutica, que é normal e expectável que ocorra quando estamos a falar de vitaminas ou oligoelementos, pela própria natureza destas substâncias, permite uma grande segurança de administração, sendo extremamente raras as situações de intoxicação.

Para finalizar, ponto importante é a possibilidade do doente poder estar a tomar vitamina D proveniente de várias fontes, pelo que é sempre importante a recomendação de que deverá saber-se o que é que efetivamente o doente está a tomar.

AO/SO

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