Especialista em Medicina Interna do Centro Hospitalar Universitário de Santo António
A Seriedade na Política de Saúde
Ser sério é ser confiável. É só dizer aquilo em que se acredita. É respeitar os outros e recusar vender “gato por lebre”. Quando falamos da saúde das pessoas, a seriedade é imperativa. O Serviço Nacional de Saúde não pode ser desbaratado, enquanto o tempo se esgota em rodriguinhos e negociações pífias, porque estão desfocadas dos objetivos essenciais.
Nos últimos 12 anos, cada vez mais Médicos saíram do SNS para os Hospitais Privados ou reduziram muito o seu tempo disponível no Hospital Público. Não é sério dizer que houve mais contratações, sem esclarecer quem se contratou e para fazer o quê, quando a atividade dos Serviços definha a olhos vistos!
Houve uma política dirigida à contratação ostensiva de médicos tarefeiros para as equipas de urgência e de promoção da realização de trabalho médico de urgência em regime extraordinário para evitar o alargamento dos quadros médicos dos Serviços. Não é sério dizer que a crise das urgências se deve à recusa dos médicos fazerem mais de 150h extraordinárias por ano, como se isso fosse natural e exigível e não fosse o resultado duma escolha desgraçada da gestão.
Há anos que sabemos da necessidade de reduzir drasticamente a procura dos Serviços de Urgência por doentes com doença aguda ou moderada, dando-lhes uma alternativa segura e de qualidade. Não é sério afirmar que ela pode ser uma linha telefónica, por melhor que seja o algoritmo aplicado pelo enfermeiro diligente, que substitui a observação pelo Médico de Família.
A formação dos especialistas é um trabalho extraordinário e muito importante, a que os Orientadores de Formação dedicam muitas horas. Não é sério que essa função só seja remunerada aos Médicos de Família, que estejam numa USF do Modelo B.
Na maior parte dos Países da Europa a que pertencemos, os Médicos trabalham em exclusividade no público ou no privado, com total dedicação à Instituição onde exercem a sua atividade. Não é sério inventar uma “dedicação plena”, que pouco ou nada muda, permitindo ao Médico saltitar entre os dois sistemas, dedicando-se mais a quem mais lhe paga.
Nos últimos 12 anos, os especialistas médicos perderam cerca de 23% de poder de compra, tendo menos um terço dos salários dos colegas espanhóis e metade dos alemães. Não é sério propor um aumento de cerca de 3%, embora se agite o aumento de 50% a quem aceite a tal “dedicação plena”, com o brinde de horas extraordinárias sem jeito!
É verdade que o Sistema de Unidades Locais de Saúde favorece o tratamento integrado do doente, porque as relações entre o Hospital e o Centro de Saúde são mais próximas. Mas, não é sério dizer que esta “revolução” na organização do SNS resolve por si só os problemas do tratamento integrado do doente crónico ou as listas de espera, porque ainda falta conquistar os médicos para a bondade deste modelo, em que eles são os atores principais.
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