“A perturbação obsessivo-compulsiva, em si, é um risco, porque implica muito sofrimento”

Albino Oliveira-Maia, médico psiquiatra na Fundação Champalimaud, é também o presidente do conselho científico Associação Portuguesa OCD Foundation, que vai ser apresentada hoje, em Lisboa. Em entrevista, o responsável apela a que se aposte mais no conhecimento da perturbação obsessivo-compulsiva, inclusive junto dos profissionais de saúde.

Como profissional de saúde, o que acha da criação da Associação Portuguesa OCD Foundation?

Na Psiquiatria, e na Saúde Menta em geral, faltam movimentos da sociedade civil, no sentido de apoiar o conhecimento sobre as doenças, os seus tratamentos e exercer sobre os decisores as influências necessárias para que se perceba a importância de ajudar os serviços de saúde, e outros, que são necessários para o bem-estar destes doentes. É sempre muito importante haver uma massa crítica societal e como médico tenho grandes expectativas quantos aos benefícios daí provenientes.

 

A POC afeta uma em cada 20 pessoas em Portugal, mas ainda há muitas pessoas que desconhecem ter este problema de saúde. Porquê?

A POC é uma perturbação bem conhecida dos profissionais de saúde. Nenhum médico termina a sua formação sem saber de que se trata, contudo é um quadro em que ainda há um enormíssimo atraso entre os primeiros sintomas e a primeira procura de ajuda. Além disso, entre pedir ajuda e o diagnóstico correto também passa muito tempo. O que contribui para isso? Antes de mais, o próprio doente vê certos sintomas como estranhos e sente vergonha, acabando por os esconder ativamente. Depois de ir ao médico ou a um psicólogo podem assim já existir outra sintomatologia mais predominante e não se chega de imediato ao que está na base. E, face ao desconhecimento, as pessoas não procuram logo ajuda e quando o fazem nem sempre é a mais adequada. Esta nova associação é importante também para dar a conhecer a POC. Atualmente, sabe-se o que é a depressão ou a perturbação de pânico, mas no caso da POC, até já se pode ter ouvido falar, mas não se tem bem noção do que se trata.

“Há quem chegue a fazer feridas de tanto lavar… É uma manifestação de algo que acontece internamente, ou seja, são pensamentos repetitivos ou obsessões que levam a esse comportamento ou a outros menos visíveis”

Regra geral, quando se fala em POC, associa-se à imagem da pessoa que lava as mãos muitas vezes…

E não é surpreendente que esse seja o exemplo paradigmático, porque é algo visível. Há quem chegue a fazer feridas de tanto lavar… É uma manifestação de algo que acontece internamente, ou seja, são pensamentos repetitivos ou obsessões que levam a esse comportamento ou a outros menos visíveis. Há diferentes tipos de sintomas. No caso do lavar as mãos está associado a pensamentos repetidos de ter sido ou poder ser contaminado por uma agente infecioso ou por algo tóxico. Mas há outros como os relacionados com ordem e simetria, agressividade, perfecionismo em dizer e fazer as coisas. Os pensamentos são os mais diversos, mas a forma dos sintomas é sempre a mesma: uma imagem ou ideia repetida que conduz a um determinado tipo de comportamento ou ritual mental para tentar reduzir a ansiedade causada pelo pensamento.

 

Qual é o tratamento?

O tratamento começa sempre por uma ou ambas de duas alternativas de primeira linha: psicoterapia, nomeadamente cognitivo-comportamental, especificamente dirigida a POC e para a qual há graus de evidência muito expressivos na redução de sintomas; e alguns medicamentos que também são antidepressivos e que em doses mais elevadas são eficazes na POC. Quando estas alternativas não têm resultados ou são insuficientes, é preciso pensar noutras como as de estimulação cerebral.

“Naturalmente, fica em causa a qualidade de vida do doente, a funcionalidade, a relação com os outros, a capacidade de trabalhar”

Mas no caso da estimulação cerebral, é mais difícil ter acesso a essas terapias? Não estão disponíveis em todas as unidades…

As dificuldades de acesso são transversais a todos os tratamentos. Não é fácil ter psicoterapia. Mas, de facto, os problemas de acessibilidade são particularmente graves para os doentes que não responderam a tratamentos de primeira linha. E isso acontece quer por não estarem disponíveis em todas as unidades quer por os doentes não serem referenciados para a consulta certa ou não terem recursos financeiros para tal.

“O médico de família, e outros profissionais de saúde dos cuidados de saúde primários, são a porta de entrada para o sistema de saúde em todos os domínios e este, obviamente, não é exceção”

Quais os maiores riscos de não haver um tratamento adequado e atempado da POC?

A POC, em si, é um risco, porque implica muito sofrimento. É uma perturbação muito disruptiva, podendo causar diferentes graus de disfuncionalidade. Naturalmente, fica em causa a qualidade de vida do doente, a funcionalidade, a relação com os outros, a capacidade de trabalhar.

 

A que devem estar atentos os diferentes profissionais de saúde para que a POC seja diagnosticada mais cedo?

O médico de família, e outros profissionais de saúde dos cuidados de saúde primários, são a porta de entrada para o sistema de saúde em todos os domínios e este, obviamente, não é exceção. Dificilmente se consegue diagnosticar a POC se não se fizer perguntas. Naturalmente, não se vai questionar todos os doentes, mas perante a evidência da presença de algum grau de sofrimento e de incapacidade relacionada com um problema do foro psicológico deve-se questionar.

 

Maria João Garcia

 

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