26 Mai, 2022

“A FPP sente o dever de trabalhar ao nível dos rastreios para alterar a epidemiologia da DPOC”

Em entrevista exclusiva ao SaúdeOnline, o presidente da Fundação Portuguesa do Pulmão (FPP) explicou quais os principais objetivos da instituição para os próximos meses.

Para José Alves, os rastreios da população portuguesa, em especial a realização de espirometrias em indivíduos com hábitos tabágicos, são o ponto principal de ação. O investimento na telemedicina e a capacitação dos profissionais de saúde e população em geral são outro dos propósitos da FPP.

 

Segundo dados do Observatório Nacional das Doenças Respiratórias de 2020, as doenças respiratórias não covid matam cerca de 36 pessoas em Portugal por dia. Como é que a Fundação Portuguesa do Pulmão olha para estes números?

Com a sensação que temos de fazer alguma coisa, principalmente porque uma grande parte dessas mortes é prevenível, se atuarmos sobretudo a dois níveis: através da evicção tabágica e da vacinação.

A evicção tabágica é uma eterna luta, mas existem dois fatores que nos permitem contrariar os números, que são a lei e o preço do tabaco. Há uma lei [proibição de fumar em espaços fechados], ainda que muito permissiva, que fez mais pelos hábitos tabágicos do que todas as palestras dadas pelos pneumologistas, médicos de família, cardiologistas e internistas. As pessoas começaram a fumar fora do ceio familiar, o que fez com que também começassem a fumar menos – se estiverem sentadas a ver TV, um jogo de futebol, apenas pegam nos cigarros e fumam, mas se tiverem de se levantar isso já não acontece.

Outro fator a ter em conta é o preço. Este fator é muito importante, porque todas estas doenças que estão ligadas às doenças respiratórias vivem muito à volta da doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC). A DPOC provoca aumentos nas taxas das doenças cardíacas e cardiovasculares, nas pneumonias e em toda uma outra série de patologias.

É nesse sentido que a FPP olha para este cenário com o dever de cumprir duas coisas: primeiro, proporcionar o acesso a consultas de desabituação tabágica – essa foi umas das razões pelas quais a FPP criou a plataforma terapêutica/clínica, que permite fazer consultas online quando os fumadores o querem fazer, mas ainda assim não têm aparecido muitas. Outra ação passa pela sensibilização das pessoas para os pulmões, enquanto órgão. A FPP tem uma plataforma que permite realizar espirometrias online e temos também espirómetros espalhados por várias zonas do país, com o objetivo serem utilizados por todos os fumadores.

Pub

 

Considera que a melhor forma de diagnosticar a DPOC é disponibilizar espirometrias também nos centros de saúde?

Talvez essa fosse uma possibilidade, mas a FPP é uma entidade que não pertence ao Serviço Nacional de Saúde (SNS). É natural que algumas unidades locais de saúde (ULS) sintam essa dificuldade e estivessem interessadas, mas a FPP não está a dirigir-se ao SNS, mas sim aos fumadores.

O diagnóstico da DPOC é aquilo que os médicos fazem quando começam os primeiros sintomas, enquanto o rastreio é o diagnostico da doença ainda antes de existirem sintomas – esta é a diferença base. A ideia é fazer um rastreio da DPOC e diagnosticá-la. Para isso, podemos fazer rastreios de DPOC fazendo espirometrias e procurando não uma alteração no VMS, mas procurando uma alteração nos fluxos terminais que nos dão uma ideia do edema e da inflamação da mucosa nos brônquios, sendo este o primeiro ponto de fisiopatologia que se desenvolve. A FPP sente o dever de trabalhar a este nível para alterar a epidemiologia da DPOC, alterando a mortalidade e morbilidade inerentes.

A DPOC é uma das doenças respiratórias que causa maior número de mortes e morbilidade em Portugal. Quais são as outras?

Eu não tenho assim informação estatística generalista, eu tenho uma informação estatística das doenças respiratórias e a DPOC, de facto, atinge 600 mil pessoas em Portugal neste momento. Cerca de 20-25% dos fumadores desenvolvem a DPOC (2 milhões de fumadores).

Há ainda uma outra causa de morte na DPOC, que é o cancro do pulmão, e também aqui o tabagismo tem um peso muito considerável. Em Portugal, temos cerca de 5 mil casos de cancro do pulmão por ano, o que corresponde a 13-14 casos por dia. Uma grande parte das pessoas que tem cancro do pulmão morre ainda antes do ano terminar, o que faz com que os valores da incidência já não sejam iguais aos d prevalência – um facto que antes era verdade.

Atualmente a esperança média de vida para pessoas diagnosticas com cancro do pulmão é de sete anos e meio, se forem deslocados por alterações genómicas no ALG, que é um gene que deixa de funcionar convenientemente com o surgimento do cancro do pulmão. As alterações genómicas com possibilidade de tratamento alvo, adicionadas à imunoterapia, resultam que uma parte dos cancros do pulmão se tenha transformado em doenças crónicas. Infelizmente, este ainda é um valor baixo – ronda os 20% de cancros do pulmão em que isso acontece –, mas está todos os dias a aumentar, em consequência do investimento da indústria farmacêutica na identificação de terapêuticas alvo para alterações genómicas.

A pneumonia é também uma das causas associadas, porque a DPOC modifica a estrutura arquitetónica do pulmão, altera a mucosa endobrônquica, dificulta a drenagem das secreções, o que provoca infeções. As pneumonias são a maior causa de morte evitável em Portugal, creio eu, porque teoricamente quem apresenta uma pneumonia nos dias que correm já não morre, devido à capacidade terapêutica de que dispomos atualmente. Isto também provocou uma certa desvalorização da população sempre que têm uma pneumonia, o que simultaneamente faz com que continuemos números mais elevados do que seria expectável.

De que forma é que são feitas as certificações atualmente?

A realidade das pneumonias é uma questão que se tem levantado ao longo dos anos, nos nossos observatórios das doenças respiratórios, porque a mortalidade da pneumonia em Portugal é o dobro da média da EU. Este seria um facto muito assustador se o cenário não fosse igual nos EUA e no Reino Unido. O que se passa é que não somos só nós que temos o dobro das taxas de mortalidade da média europeia.

O que acontece na minha opinião, e também do Prof. Filipe Froes que é um especialista que estuda estes casos muito mais profundamente do que eu, é que dispomos de diferentes certificações a nível mundial. Por exemplo, uma pessoa que tenha cancro do pulmão e  que depois sofra uma pneumonia e morra, se for na média europeia, a causa de morte considerada é o cancro do pulmão e o evento final é a pneumonia. Pelo contrário, se for em Portugal, a causa de morte é a pneumonia. Estes diferentes cenários prendem-se não só com o número de mortes, mas também com o tipo de certificação que é realizada.

A propósito dessa catalogação das doenças, também aconteceu isso com a covid, certo? Por exemplo, quem já tivesse cancro do pulmão e morresse tendo covid, era considerada uma morte por covid.

Essa é uma questão de certificação que não tem problema nenhum, e nestes casos o cancro era considerado uma comorbilidade. Quando são elaborados os estudos estatísticos apenas é necessário ter estes fatores em conta. O que não se pode é amplificar a informação que na realidade se pode retirar desses dados estatísticos, pois só podemos retirar dos números estatísticos e da epidemiologia a informação que lá colocamos.

Acha que o pós-pandemia pode trazer preocupações e trazer surpresas à epidemiologia das doenças respiratórias?

Estamos perante algo perfeitamente novo. Se me perguntar se pode, pode, até porque já há uma série de pessoas que estiveram internadas com uma pneumonia intersticial.

Esta pneumonia intersticial pode ser completamente curada, e o organismo ficar como estava antes da infeção, esta pneumonia pode desencadear um processo inflamatório crónico que leva a uma fibrose pulmonar. Se vai desencadear ou não, só se sabe com o passar do tempo.

A telereabilitação é uma das bandeiras da Fundação Portuguesa do Pulmão?

Sim, fomos nós que criámos o Dia Nacional da Reabilitação Respiratória (21 de abril) em Portugal e essa é uma das nossas bandeiras porque ajuda a diminuir a mortalidade e a morbilidade.

Quais são as outras bandeiras da Fundação e que outras iniciativas é que têm, quer para a população em gera, quer para os profissionais de saúde?

A FPP realiza anualmente um Observatório Nacional das Doenças Respiratórias, que é um marco importante na avaliação destas doenças, bem como organizamos um congresso que onde são discutidos temas importantes do foro respiratório.

Dispomos também de uma plataforma de e-learning, com a qual temos três objetivos. O primeiro é o diagnóstico sobre as espirometrias, e agora, que já temos este ponto das espirometrias melhor difundido, vamos promover a teleauscultação. Mostrou-se com a covid que se pode auscultar junto do doente e ouvir no telemóvel e vamos pôr isso em prática. Por fim, com esta ferramenta podemos finalmente saber qual é que é a prevalência da DPOC em Portugal, através de um inquérito e uma espirometria. Ora se nós podemos realizar ambos, podemos fazer o diagnóstico epidemiológico em Bragança e em Faro passados 5 minutos. A única questão é pôr as pessoas certas a entrar em connosco.

Há uma bandeira muito importante da FPP que é alterar a epidemiologia das doenças respiratórias e, para tal, temos as outras bandeiras parcelares como a vacinação, a espirometria, a reabilitação respiratória, bem como o ensino médico, das famílias e dos cuidadores.

SO

Print Friendly, PDF & Email
ler mais
Print Friendly, PDF & Email
ler mais