28 Jun, 2022

Via Verde do AVC com falhas. “O atraso é dramático e compromete os resultados”

Desde o início do ano, a Via Verde do AVC esteve encerrada temporariamente em vários hospitais do país. Em entrevista, a direção da Sociedade Portuguesa do AVC alerta para o risco dos atrasos no início do tratamento.

Que situações de encerramento da via verde do AVC estão a ocorrer/ocorreram? Em que hospitais?

Existe uma situação publicitada na comunicação social, que ocorreu no Hospital de Aveiro. No entanto, a propósito desta notícia pública foi comunicada informalmente à SPAVC a ocorrência de situações de indisponibilidade temporária de alguns centros na ARS de Lisboa e Vale do Tejo. Também são conhecidas situações pontuais noutras regiões, com necessidade de redireccionamento de doentes por alteração de escalas nos centros que disponibilizam neurorradiologia de intervenção.

O que queremos reforçar é que não podemos compaginar de forma sistemática com soluções que tenham como consequência adiar o início de tratamento. No caso dos doentes potencialmente elegíveis para tratamento com trombolítico, estima-se que a cada 15 minutos de atraso se reduzam em 4% a probabilidade de um bom resultado. Por isso nos preocupam situações de interrupção temporária do padrão de cuidados ao AVC na fase aguda numa região.

Desde quando se verificam estes problemas?

Temos tido conhecimento de situações esporádicas ao longo de 2022.

Mas reforçamos que o atraso no início do tratamento é o principal fator que as Vias Verdes pretendem corrigir. E, no caso do AVC, o atraso é dramático e compromete os resultados. Tem sido realizado um esforço na sensibilização da população para a importância do tempo, mas os potenciais ganhos poderão ser perdidos se deixarmos de ter estes serviços regionais. É importante reforçar que ao longo da pandemia se mantiveram e protegeram os circuitos existentes das vias verdes AVC, de um modo geral na maioria dos centros, com esforço de todos e protegendo o tratamento de uma das principais doenças agudas, que representa a principal causa de morte em Portugal.

Sabe-se o que está na origem deste problemas na via verde do AVC? Quantas pessoas poderão estar a ser afetadas?

Os motivos podem ser múltiplos, relacionados com escassez de recursos humanos ou questões tecnológicas e de equipamento. Apesar do tratamento ser sempre garantido, a indisponibilidade de centros significa, no entanto, potenciais atrasos no início do tratamento para os doentes que estão mais próximos desses hospitais.

O número de doentes com AVC que recorrem a cada centro é variável em função de muitos fatores. No entanto, num centro de média dimensão em Portugal que assista 200 a 300.000 habitantes, recorrem em média por dia 3 pessoas com AVC através da via verde de AVC. Assim, sempre que um destes centros não disponibilizar tratamento agudo, podemos dizer que em média 3 pessoas sofrem atrasos importantes no seu tratamento, para além dos riscos e custos associados ao aumento do transporte interhospitalar. Devemos acrescentar que os tratamentos para o AVC isquémico agudo são extremamente custo-efetivos para a sociedade, porque se traduzem em redução da mortalidade e incapacidade para os doentes, com redução dos custos em saúde a longo prazo e aumento do retorno à vida ativa. Múltiplos estudos confirmam que tratar mais doentes e mais precocemente se traduz em redução dos custos para a sociedade, mesmo considerando o investimento necessário em custos hospitalares.

Para a SPAVC, quão preocupante é esta situação e que medidas devem ser tomadas para resolver o problema?

Apesar destas serem situações não permanentes de encerramento de centros, estamos a falar da principal causa de morte e incapacidade e o seu subtratamento é extremamente dependente da rapidez. Pensamos que é importante aferir junto de cada centro que disponibiliza trombólise ou trombólise + tratamento endovascular quantos dias ou horas estiveram indisponíveis ao longo de 2022. Estas situações são habitualmente comunicadas ao CODU, Direcções clínicas e hospitais vizinhos. Não sabemos, por exemplo, se o Ministério da Saúde as pesquisa ativamente ou tem alertas internos implementados.

Só deste modo se pode depois questionar e investigar quais as razões na base das interrupções. Também é importante conhecer situações relacionadas com a interrupção do funcionamento de aparelhos de TC e angioTC, angiografos e ressonâncias, bem como a idade dos equipamentos adstritos ao suporte à atividade de urgência.

Recordamos que estão por analisar e investigar as causas subjacentes ao aumento de mortalidade por AVC em 2020, publicitadas pelo INE no início deste ano. É necessário conhecer melhor todos os dados disponíveis em Portugal e mobilizar clínicos e investigadores para as perceber, nomeadamente perceber como é que a pandemia pode ter originado esse efeito.

SO

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