Urgências: falemos a sério!
Que a comunicação social goste ou sinta o cheiro de […]

Urgências: falemos a sério!

Que a comunicação social goste ou sinta o cheiro de certo tipo de notícias pode perceber-se, seja à custa de audiências ou de vendas, consoante o meio considerado.

E que aos jornalistas, com a ressalva e cumprimento aos bons profissionais especializados em temas ligados à saúde em geral, se exija que sejam também pedagogos na promoção da literacia específica até pode ser aceitável.

O que não se pode aceitar nem desculpar é que, aos políticos e decisores, as questões da saúde apenas interessem pelo que há de mais mesquinho e nojento no combate partidário que nada serve ao país.

O problema das urgências é um desses casos.

Emblemático verdadeiramente porque é afinal um problema de todo o sistema de saúde.

O afluxo de doentes aos serviços de urgência hospitalares é em Portugal largamente superior à média europeia.

Uma das primeiras explicações é remetida para a falta de resposta dos médicos de família. Que pode ainda e circunstancialmente passar pela falta desses médicos em alguns sítios, mas que não foi ainda avaliada do ponto de vista do impacto dos novos modelos organizativos (USF) na redução ou resolução do tal excessivo afluxo às urgências.

Mas nunca se discute que resposta os hospitais estruturam ou oferecem aos seus doentes para que, estes, em situações diversas e de carácter agudo, possam contactar os serviços e os seus médicos sem passar pelas urgências…

Ou seja, porque não disponibilizam os nossos hospitais, como os Cuidados Primários, sistemas de “consulta aberta” ou de “atendimento não programado” por especialidades, por exemplo “clínicas de DPOC ou de insuficiência cardíaca, evitando assim e até os seguimentos avulsos e isolados de doentes portadores de condições clínicas clinicamente exigentes? Ou porque nunca se discute o nível de fragmentação dos serviços, em muitos hospitais, ou a gestão comum e central das camas evitando altas precoces e “devoluções” de curto efeito?

De igual modo, não se tem estudado o grau de afluência de doentes alocados à Rede Nacional de Cuidados Continuados e que, “entram” num jogo de entra e sai passando pelas urgências. E seria bom proceder a esse estudo a vários títulos, designadamente a da eventual revisão dos critérios de inclusão de doentes na Rede ou da reavaliação das necessidades de camas hospitalares para agudos.

Bem como pouco se aborda a tipologia dos doentes que entopem as urgências em função da idade ou da autonomia, das comorbilidades ou da falta de familiares ou cuidadores, retardando a jusante a sua colocação e alta.

 

Alguns acham que a criação de médicos dedicados à urgência é a ideia chave.

Não me parece que seja um conceito lógico embora certamente inspirado em quem segue as séries televisivas nos canais por cabo.

Para além de tremendamente redutor sob o ponto de vista clínico, uma carreira desse tipo seria, falando em termos fiscais, semelhante à dos desportistas, isto é, aquilo a que se chama de desgaste rápido tal o nível de stress e envelhecimento precoce induzidos.

Outro plano de discussão será o de sabermos que, nas urgências, os médicos mais experientes e sabedores, pelos limites de idade (então a idade constitui ou não limitação ao trabalho em urgência e quanto mais em especialidade dedicada?), estão afastados e ausente. Ora este facto, naturalmente, induz tempos de resposta mais lentos, maiores hesitações na tomada dos diversos tipos de decisão clínica e um maior tempo de retenção dos doentes no serviço de urgência.

Nem quero aceitar entrar nos aspectos ligados às responsabilidades ética, clínica ou civil que, aliás, servem principescamente televisões e jornais sensacionalistas e colocam pressão sobre todos os médicos…

Falta é rever os princípios estruturais e operacionais de fundo, como sejam o do financiamento dos hospitais e das urgências, a própria carta hospitalar enquanto documento estratégico e de planeamento para Portugal, as incoerências entre as capacidades instaladas e as populações de referencia, a dispersão dos serviços em função dos centros hospitalares constituídos entretanto, a falta de interesse e aposta em clínicas ambulatórias com cuidados de continuidade e a ignorância por programas de gestão de doenças crónicas e com necessidades hospitalares acrescidas!

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