Síndrome de Ondine. “Sendo uma patologia rara, muitas vezes o desafio é suspeitar deste diagnóstico”
Núria Madureira, pediatra, alerta para a síndrome de Ondine, uma doença rara que, durante a noite, leva a que os doentes deixem de respirar ou façam-no muito lentamente, havendo risco de morte.
O que é a síndrome de Ondine e quem é mais afetado?
A Síndrome de Ondine ou Síndrome de Hipoventilação Central Congénita é uma doença genética causada por mutações num gene chamado PHOX2B, localizado no cromossoma 14. Nesta doença há uma falência no controlo autonómico da ventilação, caracterizando-se por hipoventilação central e ausência da normal resposta à diminuição do oxigénio e acumulação de dióxido de carbono. Isto significa que a maior parte destes doentes tem uma respiração normal quando estão acordados, mas quando adormecem, e o único controlo da ventilação é o autonómico, deixam de respirar ou respiram mais lentamente do que é necessário. Com isso, há diminuição do oxigénio e acumulação de dióxido de carbono no sangue e o suposto seria respirar mais depressa e, eventualmente, acordar. Nestes doentes, isso não acontece, havendo risco de morte. Na maior parte dos casos, as mutações ocorrem de novo, isto é, os pais não têm a mutação e ela ocorre durante a formação das primeiras células do futuro bebé. Assim sendo, não é possível prever que a síndrome vá acontecer nem identificar populações em risco.
Quais são os sintomas?
Na maioria dos casos, a síndrome manifesta-se nos primeiros dias de vida com apneias, ou paragens na respiração, durante o sono, ou quando estão acordados, episódios de cianose e alteração nos gases do sangue com acumulação de dióxido de carbono. A gravidade da situação justifica a necessidade de ventilação mecânica, ou seja, os bebés têm de ser entubados e respirar com a ajuda de um ventilador. Quando a síndrome só se manifesta depois do primeiro mês de vida denomina-se síndrome de hipoventilação central congénita de apresentação tardia ou Late-Onset SHCC. Estes doentes têm uma forma mais ligeira da síndrome, em que a hipoventilação só se manifesta quando há um desafio respiratório, ou seja, quando há infeções respiratórias graves, ou quando os problemas respiratórios surgem no decurso de uma anestesia. Nestas circunstâncias, estes doentes podem apresentar uma insuficiência respiratória grave com necessidade de suporte ventilatório e eventual risco de vida.
“Não está estabelecida a associação entre a síndrome de hipoventilação central congénita e a síndrome de morte súbita do bebé”
É uma doença subdiagnosticada, quando se trata de morte súbita do bebé?
Não está estabelecida a associação entre a síndrome de hipoventilação central congénita e a síndrome de morte súbita do bebé. Admite-se que os casos de síndrome de hipoventilação central congénita de apresentação tardia possam estar subdiagnosticados, mas nestes casos a doença é mais ligeira e os problemas respiratórios surgem no decurso de uma infeção respiratória ou de uma anestesia.
Que tipo de tratamentos existem?
Não existe tratamento curativo. Estes doentes vão depender de suporte respiratório durante o sono, e eventualmente acordados, durante toda a vida. Na maioria dos casos, o suporte ventilatório inicia-se logo nos primeiros dias de vida e os bebés ficam internados até terem condições de manter esse suporte ventilatório em casa.
“O suporte respiratório é fundamental para a sobrevivência destes doentes. Assim sendo, os cuidados respiratórios domiciliários são essenciais”
Qual a importância dos cuidados respiratórios domiciliários?
O suporte respiratório é fundamental para a sobrevivência destes doentes. Assim sendo, os cuidados respiratórios domiciliários são essenciais, sendo muito importante o trabalho em equipa entre os médicos e enfermeiros que seguem estes doentes no hospital e as empresas prestadoras de serviços de cuidados respiratórios domiciliários.
No dia a dia, quais os maiores desafios que os doentes e cuidadores têm de enfrentar?
Sendo uma patologia rara, muitas vezes o desafio inicial é suspeitar deste diagnóstico. Ainda assim, com os avanços no conhecimento médico, a maioria dos casos graves e típicos já tem um diagnóstico muito precoce. Antes da identificação do gene envolvido nesta síndrome, o diagnóstico era difícil, implicava a exclusão de outras doenças e a realização de uma polissonografia. Atualmente, o diagnóstico através de testes genéticos é relativamente fácil e rápido.
Os principais desafios no tratamento estão relacionados com a total dependência do suporte ventilatório durante o sono. Sem ele, os doentes podem morrer. Este suporte ventilatório representa uma sobrecarga muito importante para os pais, que além de terem de tratar de um bebé, têm de garantir cuidados especializados de saúde.
Para os médicos, o desafio é garantir que o suporte ventilatório é o mais adequado; ter particular atenção quando há doenças agudas, porque a hipoventilação pode agravar-se e condicionar risco de vida; e garantir o diagnóstico e orientação adequada das outras possíveis manifestações da síndrome. À medida que a criança cresce vão-se colocando outros desafios. O principal é explicar à criança, e depois ao adolescente, as limitações relacionadas com a sua doença e garantir uma vida a mais próxima do normal.
Maria João Garcia
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