23 Set, 2024

Quando o diagnóstico de perturbação do espetro do autismo só acontece na idade adulta

É cada vez mais comum ser-se diagnosticado com uma perturbação do espetro do autismo (PEA) na idade adulta. Pedro Rodrigues é psicólogo clínico no PIN – Partners in Neuroscience e alerta os profissionais de saúde de que é possível ter uma vida social e profissional, apesar das dificuldades da PEA.

Pode um adulto com perturbação do espetro do autismo (PEA) ter amizades, constituir família e ser um exemplo na vida académica? “Sim, é possível e são cada vez mais os casos que são diagnosticados a partir dos 24 anos, havendo mesmo vários aos 50, 60, 70 anos.” Quem o diz é Pedro Rodrigues, que se dedica há uns anos a este tipo de perturbação.

Recebendo vários pedidos de ajuda, defende que se deve falar sobre o assunto, inclusive na comunidade médica. “Apesar de já haver mais informação e sensibilização, o que se tem traduzido em mais diagnósticos, ainda se vê a PEA como estando associada a um grave défice de interação e comunicação, que impede a pessoa de ter uma vida como quem não tem PEA.”

Mas, como acrescenta, tal não é de todo correto: “Dificuldades na interação e na comunicação social, comportamentos repetitivos e estereotipados, interesses restritos, dificuldades na esfera sensorial são características comuns, contudo pode-se ter um perfil cognitivo e intelectual médio ou acima da média e ser-se funcional.”

Exemplo disso é o caso de algumas figuras conhecidas do grande público como a ativista ambiental Greta Thunberg, o dono do X Elon Musk, o ex-diretor executivo da Microsoft Bill Gates, o ator Anthony Hopkins, entre outros. Todos eles têm o que se vê como “uma vida normal”, apesar da PEA.

Pedro Rodrigues realça que é preciso desmistificar várias ideias em relação a tudo o que diga respeito à palavra autismo. No caso de uma PEA, lembra que existem três níveis, cada um com determinado grau de funcionalidade e com necessidades diferentes do ponto de vista clínico e social.

E deixa um alerta aos colegas psicólogos, assim como aos psiquiatras e especialistas em Medicina Geral e Familiar (MGF). “Não basta ter em conta apenas os critérios de caracterização de PEA da DSM-5; é preciso estar atento a outros mais subtis, sobretudo no sexo feminino.”

No caso das mulheres, o psicólogo clínico refere que é comum a chamada camuflagem social. “Aprendem e desenvolvem um guião social para ultrapassar as suas dificuldades de interação e comunicação social. Há quem chegue ao meu consultório e me diga que apenas me olha nos olhos porque percebeu que deveria ser assim…”

Estar alerta a estes critérios mais subtis é importante, como salienta, já que o diagnóstico de uma PEA pode resolver muitas pontas soltas na vida de uma pessoa. “Muitos foram rotulados, desde cedo, como arrogantes, mal-educados, antissociais, etc.”

Todos estes estereótipos desencadeiam alguns quadros psiquiátricos mais complicados de depressão e ansiedade, além de também poderem ter maior propensão para determinadas comorbilidades. Pedro Rodrigues apela, assim, em particular, aos médicos de MGF que conheçam melhor a PEA. “Os MGF são muito importantes e é preciso dar-lhes informação que vão além dos critérios de diagnóstico, porque são aqueles que contactam mais fácil e rapidamente com a população geral e que terão esta informação para encaminhar mais e melhor para consultas de especialidade”, considera.

Apesar de ainda haver “muito trabalho” a ser feito em termos de formação e sensibilização junto dos profissionais de saúde, Pedro Rodrigues diz que já se notam alguns avanços nos últimos tempos. “Felizmente, temos cada vez mais pessoas que vêm pedir ajuda, porque leram ou ouviram sobre PEA no adulto. É uma forma de compreenderem, finalmente, tudo aquilo que têm vivido desde pequenos.”

MJG

Notícia relacionada

Identificadas proteínas que podem diagnosticar autismo na urina

ler mais

Partilhe nas redes sociais:

ler mais