9 Nov, 2021

“Puxemos pelo chavão ‘Health in All Politics’ para firmar parcerias sólidas nos domínios social, ambiental e da veterinária”

“One Health e a reforma necessária da Saúde Pública” é uma chamada de atenção para a imprescindibilidade de trabalhar em rede, numa partilha de recursos entre saúde humana, animal e ambiental.

Pelo segundo ano consecutivo, o Congresso Veterinário Montenegro volta a dar destaque ao conceito OneHealth. Em que medida é que esta abordagem permite otimizar a Saúde Pública e tornar o futuro mais sustentável?

Primeiro, pelo reconhecimento dos determinantes transversais entre ambiente, veterinária e saúde humana. A visão limitada dos determinantes condiciona-nos, a priori, a nossa capacidade de resolução dos problemas. Puxa-nos também para a visão alargada e do maior impacto que podemos ter se pensarmos mais em termos populacionais e no ecossistema em que se movem essas populações. Rapidamente chegamos à conclusão que esta forma de abordagem é necessária para a sustentabilidade.

Em termos de otimização da Saúde Pública, há o claro benefício de partilha de competências e recursos entre diferentes agentes que têm missões sobreponíveis na defesa da saúde das populações, mas que vivem muitas vezes em feudos auto ou hétero-impostos com perdas de eficiência e piores resultados para todos.

Considera que a atual pandemia de covid-19 pôs ainda mais a nu a necessidade de uma Saúde Pública robusta e da adoção desta abordagem integrada animais-humanos-ambiente?

Sim, claramente. Fomos levados ao nosso limite enquanto profissionais e podíamos ter feito melhor e com menos desgaste se tivéssemos estruturas otimizadas para a colaboração entre setores desde o primeiro momento. Continuamos muito dependentes de pessoas que tenham o bom senso de reconhecer a excecionalidade dos momentos e superar barreiras.

De que Saúde Pública precisamos, a um nível nacional e global, de forma a evitar/combater futuras pandemias?

Precisamos de uma reforma digna desse nome, mas com pensamento contínuo de adaptação. Devemos abandonar a ideia das reformas mágicas. As reformas são processos contínuos, mas que exigem momentos de rutura em determinadas condições. Julgo que esse momento chegou.

A Direção-Geral da Saúde (DGS) e o Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA) precisam de outro enquadramento – maior autonomia e mais meios – para poderem exercer a sua função. Sem reforma dessas duas instituições, não estamos a falar de verdadeira reforma.

Adicionalmente, julgo que temos de dar um passo concreto na especialização da vigilância epidemiológica com meios partilhados entre veterinária, ambiente e saúde humana. Não concebo mais trabalhar sem a partilha desses recursos. Temos também de ter equipas especializadas de intervenção no terreno, em colaboração com proteção civil e exército: aproveitar conhecimentos de intervenção rápida, logística e os próprios meios de entidades viradas para o propósito da defesa das populações.

A nível global temos várias iniciativas de quebra de molde, com fundação de organizações e instituições de novo. Temo um pouco a postura de pensos rápidos institucionais quando o desinvestimento nas estruturas existentes era evidente. Acaba por ser um reflexo político frequente. A Saúde Pública tem este problema: sendo acusada sempre de fazer demais ou a menos, não tem (aparentemente) retornos a curto prazo em termos políticos e com visibilidade social, ainda que seja claramente um excelente investimento a longo prazo.

Quão longe estamos, a nível nacional, de uma implementação efetiva deste modelo e da abordagem Uma Só Saúde e qual o grau de sensibilização de médicos, médicos veterinários e população em geral para esta questão?

Estamos mais perto, mas não o suficiente. Espero que não deixemos passar as lições da pandemia e que não assistamos impávidos ao regresso a uma normalidade que não pode ser desejada. Julgo que já não podemos esperar para retirar maior proveito das competências dos nossos parceiros em missões conjuntas, sejam elas na prevenção da doença, da promoção da saúde ou mesmo na sua defesa. Para isso, os médicos têm a maior responsabilidade pelo seu maior poder mediático e institucional. Temos que coletivamente também formar o público e abrir os horizontes para a abrangência do que nos afeta enquanto população.

Que medidas/estratégias são necessárias para implementar no terreno estas boas práticas?

Há que puxar por modelos multidisciplinares e promovermos outras classes profissionais cujas competências nos podem ser muito úteis. Para isso, precisamos também de promoção de contextos em que isso aconteça: na falta de iniciativas nacionais, o terreno tem de tomar a iniciativa. Aproveitar as estruturas já existentes e formar parcerias sólidas com as autarquias nos domínios sociais, do ambiente e da veterinária – puxar pelo famoso “Health in All Politics”, mas também sedimentar colaborações entre sectores. Abrir espaços regulares de troca de ideias e começar a trabalhar em projetos conjuntos, sem excluir a necessidade de investimentos e reformas a nível nacional. Mas, começar logo por conhecer o que já existe e tomar a iniciativa é de facto importante.

CMB/SO

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