Potencial Colaborativo entre a Inteligência Artificial e Imagem Retiniana na Doença de Alzheimer
Docente Universitário, Doutorado em Bioengenharia e Aluno de Medicina

Potencial Colaborativo entre a Inteligência Artificial e Imagem Retiniana na Doença de Alzheimer

A demência, com destaque para a doença de Alzheimer, representa um dos maiores desafios de saúde pública a nível mundial, dada a ausência de métodos de deteção simples e acessíveis. Atualmente, ferramentas como a ressonância magnética (MRI) e as análises ao fluido cerebrospinal (CSF) são úteis, mas muitas vezes dispendiosas e invasivas, limitando a sua aplicabilidade a grande escala. Neste contexto, surge o Eye-AD, um modelo de deep learning que utiliza a angiografia de coerência ótica (OCTA) da retina para identificar alterações precoces na microvasculatura retiniana associadas a Alzheimer precoce (EOAD) e ao défice cognitivo ligeiro (MCI).

Hao et al.1, autores do modelo Eye-AD, recentemente disponibilizar esta ferramenta para analisar imagens de alta resolução da microvasculatura e da coroide retiniana de forma não invasiva, oferecendo um método de rastreio economicamente viável. Este modelo emprega uma representação gráfica multiestrutural, integrando as inter-relações entre camadas retinianas para identificar padrões específicos de degeneração neurovascular. A publicação do modelo foi acompanhada por um estudo multicêntrico, envolvendo mais de cinco mil imagens OCTA de 1671 participantes, tendo Eye-AD alcançado valores AUC notáveis para a deteção de EOAD (0,9355 em dados internos e 0,9007 em dados externos) e MCI (0,8630 em dados internos e 0,8037 em dados externos). Estes resultados destacam a eficácia do Eye-AD, especialmente considerando a sua capacidade de manter desempenho consistente em contextos e populações diversas.

A retina, frequentemente descrita nas aulas de medicina dos primeiros anos como uma “janela para o cérebro”, exibe alterações estruturais nos vasos que refletem a progressão de patologias neurodegenerativas, incluindo a demência. A evidência patológica confirma que indivíduos com Alzheimer apresentam alterações microvasculares, que podem ser visualizadas com técnicas como a OCTA. No entanto, métodos tradicionais, como a fotografia do fundo do olho, apresentam limitações de resolução, restringindo a deteção de alterações subtis em estágios iniciais, como o MCI. A OCTA, por sua vez, permite uma visualização detalhada de capilares, abrindo portas para uma análise mais profunda das camadas retinianas e sua associação com a demência.

Este avanço é impulsionado pelo Eye-AD, que não apenas oferece um diagnóstico, mas também proporciona uma análise interpretável. Através de técnicas avançadas de deep learning, o modelo identifica a importância das regiões vasculares ao nível da imagem e do pixel, revelando que as alterações nas camadas vasculares profundas (DVC) apresentam uma associação significativa com a demência precoce, mais marcante do que nas camadas superficiais (SVC). Esta distinção é vital, pois as mudanças nos capilares da DVC podem sinalizar a progressão da doença, oferecendo uma oportunidade para intervenções mais precoces e direcionadas.

No entanto, embora promissora, a implementação de uma tecnologia como o Eye-AD enfrenta desafios. A variabilidade entre equipamentos e a padronização das técnicas de imagem são barreiras que exigem um esforço colaborativo entre investigadores, profissionais de saúde e reguladores. A incorporação de dados adicionais, como biomarcadores sanguíneos e avaliações cognitivas, pode potenciar a precisão do modelo, permitindo uma abordagem multimodal. Em acréscimo, estudos longitudinais são fundamentais para validar o potencial da imagem retiniana na previsão da progressão da demência, consolidando o seu papel na prática clínica. Fica assim o desafio para os leitores da SaúdeOnline, e com o modelo disponibilizado em regime aberto, projetos e colaborações intradisciplinares são ideiais.

Com a introdução do Eye-AD, podemos estar perante um avanço no diagnóstico precoce da demência, que alia a precisão da imagem retiniana à inteligência artificial para identificar alterações neurodegenerativas em estágios iniciais. Cabe agora a doentes, médicos e investigadores demonstrar este potencial.

 

1 Hao, J., et al. Early detection of dementia through retinal imaging and trustworthy AI. npj Digit. Med. 7, 294 (2024).

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