A proposta do Governo, coordenada pela Dr.ª Maria de Belém Roseira e elaborada por um grupo de “especialistas” (Todos eles juristas, nenhum profissional do setor, nem administradores hospitalares, nem economistas da saúde, nem políticos, nem representantes de utentes) é, como se previa, apenas… “Mais do mesmo”. A manutenção de um Serviço Nacional de Saúde Público, financiado pelo Orçamento de Estado, de Administração Pública, embora integrando/tolerando alguns, poucos, hospitais privados num regime de Parcerias Público Privados (PPP) e, por enquanto, um sector privado convencionado no sector dos Exames Complementares de diagnóstico.
A meu ver, a manutenção dos Hospitais PPP talvez seja a verdadeira razão de ser deste documento apresentado agora, e teve em vista neutralizar a proposta avançada em conjunto pelos Drs. João Semedo e António Arnault que previa extinguir tudo o que fosse privado do SNS e que estava a ter penetração em parte do PS, para além de nos outros partidos da Esquerda.
Independentemente das razões que levaram o governo a apresentar esta proposta, esta é uma oportunidade para se discutir a fundo a problemática da Saúde, olhar com “olhos de ver” e fazer escolhas.
Neste artigo explica-se por que se deve dizer Não ao atual modelo e consequentemente Não à Lei de Bases proposta pelo Governo. Porque o PSD deve dizer não a este modelo estatista de SNS. Num próximo artigo avançarei com proposta para o SNS do Futuro
Vejamos então algumas características e razões que levam a dizer não a esta Lei de Bases da Saúde:
1) Em primeiro lugar o manter o financiamento do SNS, e das suas instituições, assente nas dotações do Orçamento de Estado (baseadas no histórico) e não em função dos serviços que presta.
As consequências são as seguintes:
a) Suborçamentação, quer por decisão estratégica quer porque o Orçamento de Estado não estica.
Por decisão estratégica, porque esta é única forma de evitar a explosão da despesa no SNS perante a multiplicidade de solicitações (aumento muito acentuado da população idosa, desenvolvimento de medicamentos inovadores, adoção de novas tecnologias, contratação de mais pessoal, aumento da procura, entre outros).
De facto, a suborçamentação é a única arma que surte efeito sobre os agentes decisores e gestores do SNS (cada vez mais ameaçados pessoalmente em caso de incumprimento do orçamento), num contexto muito sensível, em que todos, de forma irrecusável, pedem sempre mais. É, também, a suborçamentação/falta de orçamento que serve de arma negocial perante as corporações internas (sindicatos) e externas (Indústria Farmacêutica, Fornecedores de Material Hospitalar, Associações dos Convencionados, Associações de Doentes, Bombeiros, entre outras).“Têm toda a razão mas não há orçamento” é tudo o que um Ministro da Saúde tem que dizer. Mas é também a razão pela qual, em cima da cabeça do Ministro, caem todos os descontentamentos…. [Ver https://saudeonline.pt/2018/06/05/triturar-ministros-e-a-formula-de-sucesso-para-a-subsistencia-de-um-sns-universal/]
Por outro lado, a necessidade de blindar o crescimento do OE obriga a que a dotação para a Saúde, em termos reais, se mantenha de ano para ano, quando, como vimos acima, ela precisa de aumentar. (Em 2017, com a Troika fora de Portugal, a percentagem do PIB para Saúde terá sido a menor dos últimos 15 anos, o que contradiz toda a retórica socialista de defesa do SNS!).
b) A suborçamentação resulta em menos pessoal (médicos, enfermeiros, técnicos de diagnóstico, auxiliares, entre outros) que o necessário, o que leva ao aumento das listas de espera e à degradação das condições de atendimento. Significa o fecho de camas (como temos assistido com a redução do horário dos enfermeiros das 40 para as 35 horas, sem verbas para colmatar as insuficiências daí resultantes), logo, mais utentes em macas. Significa desinvestimento tecnológico (má manutenção, prolongamento da vida de equipamentos obsoletos, a não aquisição de novas tecnologias de diagnóstico, não implementação de novas técnicas terapêuticas, não compra de medicamentos inovadores) e atraso nos pagamentos (com perda de capacidade negocial, logo, mais custos).
Ou seja, significa sofrimento, atraso nos tratamentos e perda de vidas. É isto que queremos?
Tudo isto (https://observador.pt/opiniao/ma-sorte-nao-ser-funcionario-publico-e-nao-ter-adse/) já hoje existe, está nas notícias de todos dias, e agrava-se de ano para ano. Mais que não seja, por força do aumento do número de pessoas com mais de 65 anos, que é quem mais consome em saúde. (ver quadros) – Este crescimento irá manter-se nos próximos anos.
Deixo-vos um exemplo: uma doente minha teve de optar por escolher pagar 6000 euros (que lhe fazem muita falta) num Hospital Privado para colocar uma prótese na anca, porque as dores não lhe permitiam esperar por uma cirurgia que no Hospital Público não sabiam quando seria possível realizar. Uma outra utente, de poucos recursos, pediu que lhe indicasse um cardiologista privado (onde foi) por sofrer de insuficiência cardíaca grave descompensada. A consulta de cardiologia pedida de urgência, em Maio, por mim e pelo Médico do Serviço de Urgência desse Hospital Publico, para onde a tinha encaminhado pela gravidade da situação, apenas foi marcada para Dezembro. Estes são apenas dois exemplos entre muitos, que mostram que o SNS não está a dar resposta que deveria dar.
c) Divisão Social na Saúde em um SNS público para os pobres e um sistema privado/seguros para os ricos.
Como vimos acima, a suborçamentação tem como consequências, a superveniência de listas de esperas e a degradação dos serviços prestados no SNS o que leva – quem pode – a optar pela contratação de Seguros de Saúde e a recorrer ao sector “privado”, o qual, por sua vez, procura adaptar-se e responder, qualificando e aumentando a sua oferta, tornando-a ainda mais sedutora. Embora isto alivie a pressão da procura do SNS, de facto está-se a criar na Saúde uma situação de “um país dois sistemas”. um sistema privado para quem pode e um sistema publico para quem não pode. Um cenário que “entala” a classe média que, tendo poucos recursos, tem que pagar duas vez a saúde. O SNS como os seus impostos e os prémios dos seguros.
A qualificação dos “privados” é feita através do recrutamento dos melhores do sector público, que assim se vê desnatado dos seus mais qualificados, agravando-se a falta de recurso humanos nas fileiras do SNS. Não é futurologia: é o que já acontece hoje.
A proposta de solução para o financiamento do SNS, referida por alguns “notáveis” sociais democratas, que se traduz em os utentes pagarem no SNS em função da sua capacidade económica, terá o efeito perverso de ser um estímulo para se fazerem seguros de saúde privados e se abandonar o SNS, com a agravante de que quem fica no público são todos aqueles que não têm capacidade reivindicativa, o que agravará ainda mais a desqualificação do SNS. No final teremos um SNS degradado para os que menos podem e um sistema privado pujante e atrativo, assente em seguros de saúde, que, por sua vez, comem parte importante dos dinheiros da Saúde. Mesmo a classe média fica mal, pois não tem capacidade de fazer seguros de doença. Os Seguros de Saúde apenas servem a pessoas saudáveis, não cobrindo situações de doenças graves.
Esta opção contraria um dos pilares ideológicos fundadores do programa do PSD, onde se refere «A justiça e a solidariedade social, preocupações permanentes na edificação de uma sociedade mais livre, justa e humana, associadas à superação das desigualdades de oportunidades e dos desequilíbrios a nível pessoal e regional e à garantia dos direitos económicos, sociais e culturais.»
d) Mas em relação à defesa do Orçamento de Estado, importa dizer que, como a suborçamentação só funciona no “excell”, esta será, como metodologia de contenção da despesa, insuficiente, resultando numa derrapagem das contas públicas, porque “a maré ganha sempre a muros de areia”, e ano após ano haverá, como já há mais de uma década acontece, derrapagens na execução do orçamento da Saúde. De facto, não há como fugir às necessidades em cuidados de saúde das populações. Fechar camas só resulta no papel pois, na realidade, apenas conduz a mais macas nos corredores, fenómeno que alastra, e ao endividamento dos Hospitais. A ideia tão apregoada de que a promoção da saúde resulta em economias é falsa. É claro que é boa ideia manter as pessoas saudáveis o maior número de anos possíveis, o que, de facto, já acontece. Mas o resultado, bom e muito positivo e que se saúda, é o aumento da esperança de vida e o decorrente aumento, sempre crescente, da população idosa. É a partir dos 65 anos que as pessoas, realmente, consomem cuidados de saúde, aumentado este consumo com a idade atendendo, nomeadamente: à diabetes, hipertensão arterial, doença coronária, insuficiência cardíaca, artroses, osteoporose, fraturas do colo do fémur, todo o tipo de neoplasias, doença de Parkinson e outras doenças neurológicas degenerativas, demências… O quadro anexo sobre o consumo de medicamentos por faixa etária é bem demonstrativo. O peso nos internamentos será ainda muito maior.
O consumo com a Saúde implica também a necessidade de muitos recursos sociais. Para se perceber bem a dimensão do problema veja-se o gráfico abaixo. Atualmente existem seis vezes mais pessoas com mais de 80 anos do que em 1974. De 2014 a 2019 passámos de 400.000 para 600.000 idosos com mais de 80 anos.
O gráfico da pirâmide etária publicado no site oficial do SNS, mostra bem como o número de pessoas com mais de 65 anos e mais de 80 vai subir nos próximos anos.
O choque, mais do que evidente, entre aquilo que são e irão ser as necessidades em saúde e aquilo que o Orçamento de Estado pode dar (este ano, aqueles que foram campeões da retórica em defesa dos serviços públicos e do SNS público, dotaram a Saúde com a percentagem do PIB mais baixa dos últimos quinze anos), torna esta uma das principais questões políticas do País, cuja resposta não pode ser adiada. A “almofada financeira” resultante da generalização dos genéricos ocorrida nos tempos da troika, esgotou-se e não é repetível. A reversão para as 35 h agravou as coisas como se está a tornar evidente. Discutir e mudar o financiamento da saúde é urgentíssimo. Esta Lei de Bases ignora-o tornando-se uma oportunidade perdida.
2) dizer não a esta Lei de Bases, porque mantém inalterado um Serviço Nacional de Saúde Público estatizado e de Administração Pública.
As consequências são diversas e suportam-se, nomeadamente:
a) Numa Administração Pública que tem como objetivo primeiro a garantia da sobrevivência dos seus responsáveis. Para isso a sua estratégia assenta no “não haver ondas” o que, aliás, é também a encomenda/recomendação que lhe fazem os políticos. Uma Administração Pública que não gere, ou seja, não toma medidas ou decisões, para corrigir e promover maior eficiência e satisfação dos utentes/cidadãos/contribuintes. A Administração Pública simplesmente administra. Administra a Paz com os funcionários subordinados e com os Políticos. É forte com os fracos, exigindo aquilo que não está na lei, e fraca com os fortes (corporações), fechando os olhos ao incumprimento da lei. Na Administração pública não há responsáveis. administra-se segundo orientações superiores. É uma administração pública cujo pecado não é resultado de “partidarização”, pelo contrário. É uma administração que, devido à estratégia de sobrevivência acima referida, com o tempo, tem vindo a selecionar uma camada dirigente subserviente para com todos os partidos no poder, que vive e se especializou em satisfazer os políticos e em não incomodar as corporações. Na prática esqueceu o público a quem deve servir, a lei que deve cumprir e as suas regras de independência. O laxismo da Administração vai ao ponto de as administrações regionais de saúde continuarem a ignorar uma lei publicada há um ano (uma retificação da lei para esclarecer algo que nem dúvida tinha) e que aprova ilegalmente, considerando como bons, horários de 35 horas aos médicos de família, em unidades de saúde familiar de modelo b (USF-B), a quem paga mais 9 horas, com reflexo grave na acessibilidade dos doentes ao seu médico de família, defraudando estes enquanto utentes e enquanto contribuintes.[ Ver https://saudeonline.pt/2018/06/28/10-anos-de-escandalo-na-reforma-dos-cuidados-de-saude-primarios-a-razao-e-a-solucao/. ]