O exercício físico na dor crónica
Médica Interna de MFR no CHUA - Hospital de Faro e Médico Assistente em MFR no CHUA

O exercício físico na dor crónica

O exercício físico (EF) é fundamental na prevenção e tratamento de várias doenças e reduz a mortalidade mais efetivamente que a medicação. Há evidência crescente a favor da utilização de  estratégias de reabilitação ativas e focadas no exercício.

O EF pode trazer benefícios nas três dimensões do modelo biopsicossocial da dor. A nível biológico  ocorre analgesia induzida pelo exercício (aguda e crónica), eventual melhoria dos padrões de movimento e da etiologia da dor, adaptações cerebrais estruturais e funcionais e melhoria do sono. A nível psicológico, o EF promove a redução do medo, ansiedade e catastrofização da dor e melhora      a sua autogestão. A nível social não existe até então evidência específica relacionada com a dor, porém, quem nunca se divertiu numa dança a pares, num jogo de futebol com os amigos ou a jogar raquetes na praia?

O EF é benéfico na dor crónica musculoesquelética (MSK), na enxaqueca, cefaleias de tensão e na  dor neuropática. A sua prescrição deve ser interprofissional e centrada na pessoa doente, adequando-a aos gostos, objetivos e limitações da pessoa.

Na consulta inicial de Medicina Física e de Reabilitação (MFR) é feita a avaliação clínica, análise de exames complementares de diagnóstico e estratificação de risco. A avaliação biopsicossocial da  dor permite excluir red flags (antecedentes oncológicos, défices neurológicos, fatores de risco de fratura, febre) e yellow flags (expectativas em relação à dor e ao exercício, atitude positiva, distúrbios psiquiátricos, dor em contexto de doença laboral). O doente é convidado a participar no  processo de prescrição de EF: ouvimos os seus objetivos, estabelecemos outcomes a monitorizar, procuramos barreiras à prática de EF e educamo-lo sobre a sua dor.

Posteriormente, o doente é encaminhado para reabilitação com um fisioterapeuta ou para treino com um profissional do exercício com diferenciação em dor crónica. Uma limitação atual do SNS é a inexistência de profissionais do exercício nos cuidados de saúde, o que dificulta a continuidade do processo de reabilitação.

A prescrição individualizada de EF segue os princípios FITTE (Frequency, Intensity, Type, Time, Enjoy). As recomendações de EF nesta população são semelhantes às da população geral, incluindo  exercício aeróbio, resistido e de flexibilidade. Destacam-se algumas particularidades: 1) a dor durante o exercício deve ser tolerável (idealmente inferior a 2-3/10) e não deve exacerbar-se após as sessões; 2) o exercício geralmente inicia-se com intensidades ligeiras, já que estas podem ser suficientes para aliviar a dor e progride-se gradualmente para níveis de intensidade mais altos; 3) a supervisão é aconselhada para tranquilizar e incentivar a pessoa, corrigir a técnica dos exercícios e para avaliar a sintomatologia e o desempenho, dado que a precisão da perceção da pessoa com dor  crónica diminui com o tempo.

Por fim, importa realçar que o EF não é uma panaceia. Apesar de ser uma arma terapêutica útil e ainda pouco utilizada, tem efeitos adversos (morte súbita, lesões MSK, entre outros) e limitações. Tradicionalmente, a prescrição de EF é objetiva, baseada em repetições, séries, frequências cardíacas alvo, entre outros, tal como os outcomes expectáveis.

Pela complexidade biopsicossocial  da dor crónica, talvez fosse pertinente nesta doença estudar protocolos de movimento baseados também em variáveis subjetivas: perceção de flow, diversão, criação de memórias positivas ou o atingimento de um estado de consciência plena.

 

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