“O cancro do pulmão é o cancro que mais mata em todo mundo”
De acordo com Ana Barroso, aludindo a dados da GLOBOCAN, o cancro do pulmão é o cancro que mais mata em todo o mundo e o terceiro mais frequente no país em ambos os sexos. No âmbito do Dia Mundial do Cancro de Pulmão, que se assinala a 1 de agosto, a pneumologista, coordenadora da Unidade Multidisciplinar de Tumores Torácicos da ULS Gaia/Espinho e membro da Direção do Grupo de Estudos do Cancro do Pulmão (GECP) fala sobre a doença, seus sintomas, fatores de risco, entre outros aspetos, salientando que a melhor forma de prevenir esta patologia é “deixar de fumar ou, idealmente, nunca começar”.

Qual a incidência e a prevalência do cancro do pulmão em Portugal?
De acordo com dados da GLOBOCAN, referentes ao ano de 2022, a incidência de cancro do pulmão em Portugal foi de 6.155 novos casos, sendo o terceiro cancro mais frequente no país em ambos os sexos. A prevalência aos 5 anos foi de 7523 (3,7/100.000).
O cancro do pulmão é o cancro que mais mata em todo mundo, o mesmo se passa no nosso país onde a mortalidade, em 2022, atingiu 5077 doentes. A pequena diferença entre os valores de incidência e de mortalidade refletem a gravidade e a importância desta doença.
Além do tabaco, quais os principais fatores de risco?
Cerca de 80/85% dos casos de cancro do pulmão estão relacionados com o hábito tabágico presente ou passado.
O tabaco nas suas várias formas (convencional, cigarros eletrónicos e produtos de tabaco aquecido) é nocivo à saúde, e todos os esforços devem ser feitos no sentido de evitar o início do consumo, e no apoio à cessação para quem já adquiriu esse hábito. Também a exposição passiva ao fumo do tabaco acresce risco de desenvolver cancro do pulmão.
A poluição ambiental, a inalação de partículas de radão e amianto e a história pessoal de doença pulmonar prévia (“cicatrizes”) são também fatores de risco já conhecidos que continuam a ser investigados.
“A melhor forma de prevenir o cancro do pulmão é deixar de fumar ou, idealmente, nunca começar!”
Quais os principais sinais e sintomas a que tanto a população como os médicos assistentes devem estar atentos?
O cancro do pulmão manifesta-se habitualmente tardiamente, ou seja, os sintomas surgem muitas vezes quando a doença já está numa fase avançada.
Quando as pessoas são saudáveis e iniciam alguns destes sintomas de alerta a procura de cuidados médicos é mais célere. A situação é mais complexa nos doentes que têm doenças crónicas, como por exemplo DPOC, e já têm alguns destes sintomas diariamente. Pequenas alterações das queixas habituais podem ser confundidoras e atrasar o início do estudo.
São sintomas ou sinais de alerta: tosse persistente ou diferente do padrão de tosse habitual, expetoração com sangue ou alterações das características da expetoração habitual, rouquidão, início de sensação de falta de ar ou agravamento da falta de ar já instalada, cansaço inexplicável, dores torácicas, perda de peso ou de apetite de causa inexplicada, aparecimento de gânglios acima das clavículas, no pescoço ou axilas, inchaço do pescoço e face, dores de cabeça ou outros sintomas neurológicos de instalação recente, dores ósseas, ou outros sintomas que surjam sem causa explicável e que tendam a não desaparecer.
Todos estes sintomas devem levar a agendar consulta a breve prazo com o médico assistente.
Os doentes são diagnosticados precocemente ou ainda aparecem muitas pessoas em fases tardias?
A maioria dos doentes (~60%) tem ad initium um estádio avançado da doença (metastização à distância).
Por este motivo é fundamental que se institua rapidamente em Portugal o programa de rastreio do cancro do pulmão e ainda que todos estejam atentos aos sintomas e sinais de alerta já mencionados.
De que forma os programas de rastreio poderiam ajudar nesse sentido?
Está comprovado por vários estudos, que o rastreio do cancro do pulmão reduz a mortalidade por cancro do pulmão (16-33% variando com os estudos e o sexo dos doentes).
O diagnóstico precoce conseguido com programas de rastreio populacional de doentes com fatores de risco para cancro do pulmão, melhora a sobrevivência global e a qualidade de vida dos doentes.
“É urgente que as entidades responsáveis portuguesas instituam rapidamente um programa de rastreio populacional de cancro do pulmão, só assim se conseguirão diagnosticar tumores com maior probabilidade de cura.”
Além disso, o rastreio deve ser acompanhado de programas de promoção e apoio à cessação tabágica, contribuindo assim também para a redução do risco futuro.
Quais os principais desafios que os médicos enfrentam no tratamento desta patologia?
Os desafios são vários: tentar que os doentes sejam diagnosticados mais precocemente de modo a aumentar a percentagem de casos de sucesso terapêutico; reduzir o tempo excessivo na realização e disponibilização dos exames de diagnóstico e estadiamento, permitindo maior celeridade no início do tratamento; conseguir extrair benefício da inteligência artificial e dos sistemas de informação em geral, conseguindo que sejam práticos, intuitivos e facilitadores, ao invés do que tem vindo a acontecer com situações repetidas de ineficiência e prejuízo dos cuidados; reduzir a espera desmesurada para a intervenção cirúrgica nos casos de tumores operáveis; conseguir maior e mais rápida acessibilidade a medicamentos que já deram prova de ser uma mais-valia, e já previamente aprovados pela Agência Europeia do Medicamento; aumentar a disponibilidade de cadeirões e de recursos humanos adequados que permitam agilizar os agendamentos dos tratamentos em Hospital de Dia Oncológico (quimioterapia, imunoterapia, etc); aumentar o número de ensaios clínicos e ter uma estrutura organizada que permita incluir doentes sempre que possível; e conseguir boa resposta dos Cuidados Paliativos, quer em ambulatório, quer em regime hospitalar.
Quais os próximos passos a dar?
Para ultrapassar os vários desafios será necessário: promover e implementar de forma célere o rastreio populacional do cancro do pulmão; criar uma estrutura de apoio e incentivo aos ensaios clínicos que coloque o país a um nível mais competitivo e nos permita ter ensaios clínicos desafiantes para os clínicos e relevantes na jornada do doente. A estratégia dos ensaios clínicos é win-win, porque permite aos doentes ter acesso a fármacos inovadores, além de aumentar as verbas de forma direta e permitir também uma redução importante de custos para o hospital.
Aumentar os recursos humanos envolvidos nas várias áreas diagnóstico, estadiamento e tratamento. Não será possível instituir o rastreio sem reforçar o número e diferenciação das várias classes profissionais nos Cuidados de Saúde Primários e nos Hospitais. Não será possível aumentar o número de ensaios clínicos sem ter uma estrutura de apoio reforçada e organizada.
Instituir medidas que fomentem a maior literacia à população – no sentido de melhores cuidados preventivos (cessação tabágica) e alerta para sinais de alarme que devam levar o doente aos Cuidados de Saúde Primários.
Aumentar e reforçar a Rede de Cuidados Paliativos apoiando e humanizando os cuidados ao doente oncológico e à sua família /cuidadores.
Que políticas de Saúde Pública poderiam ser implementadas para reduzir a incidência da doença?
“Para reduzir a incidência de cancro do pulmão teremos que diminuir a exposição da população ao hábito tabágico e restantes fatores de risco. O foco deve ser a prevenção!”
Será fundamental melhorar a literacia da população tornando-a mais capaz de perceber a importância de não iniciar o hábito tabágico, ou de deixar de fumar o mais rapidamente possível para quem já é fumador, com estas duas medidas diminuiremos também consequentemente a exposição passiva ao fumo do tabaco.
Estabelecer políticas governamentais de aumento das taxas sobre os produtos do tabaco, restringindo e fazendo cumprir os locais onde é possível fumar, e promovendo campanhas de sensibilização dirigidas às crianças e jovens para que não comecem a fumar, assim como campanhas de sensibilização e apoio à cessação tabágica. Neste último âmbito será também necessário reforçar a formação de médicos e enfermeiros dos cuidados de saúde primários de modo a generalizar e facilitar o acesso a consultas de cessação tabágica.
Qual a importância de se assinalar o Dia Mundial do Cancro do Pulmão?
Alertar e sensibilizar a população e as entidades responsáveis para o problema dos doentes com cancro do pulmão.
Promover hábitos de vida saudáveis em geral, com destaque para a cessação tabágica, tabaco convencional e outros tipos de tabaco (exemplo: eletrónico) para quem já fuma, e conseguir que quem não fuma nunca venha a iniciar o hábito tabágico.
Demonstrar empatia e compaixão com os doentes e a família dos doentes com cancro do pulmão. Reforçar o apoio da equipa de profissionais de saúde que acompanham esta difícil jornada. Ninguém caminha sozinho e há sempre algo a fazer pelo doente.
Que atividades estão a ser promovidas pelo Grupo de Estudos do Cancro do Pulmão (GECP)?
Teremos várias atividades mediáticas na televisão e em revistas de vários géneros, no sentido de sensibilizar para o problema dos doentes com cancro do pulmão.
Cada hospital do país terá também atividades dirigidas aos seus doentes que passarão por sessões de divulgação, esclarecimento e vários e diversificados momentos de convívio com música, dança e outras atividades lúdicas com doentes, familiares/cuidadores e o staff das várias unidades.
Além disso, para assinalar esta efeméride o GECP está a preparar uma campanha digital que poderá ser visualizada nas redes sociais e site do GECP, a partir do dia 1 de agosto. Esta campanha consiste num vídeo de sensibilização sobre o cancro do pulmão, educativo e dinâmico, que aborda de forma clara e acessível os principais sintomas, fatores de risco e as diferentes opções terapêuticas disponíveis, destacando também a importância do diagnóstico precoce.
De salientar que as atividades de sensibilização do GECP não se limitam apenas ao Dia Mundial do Cancro do Pulmão. O GECP promove campanhas de sensibilização ao longo de todo o ano, visando aumentar a consciencialização e informar a população sobre esta doença.
Sílvia Malheiro
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