“Nunca houve tantos pediatras”. Mas estão mal distribuídos
O pediatra Gonçalo Cordeiro Ferreira diz que nunca houve tanta formação de especialistas mas critica a má distribuição, pedindo melhores condições para levar pediatras para zonas mais carenciadas. Critica também a procura indiscriminada pelas urgências por parte dos pais.
Foto: Pedro Catarino
O país confronta-se há meses com várias notícias dando conta da falta de pediatras em vários hospitais do país. O caso mais mediático é do Garcia de Orta de Almada, onde a carência de especialistas obrigou ao fecho da urgência pediátrica durante a noite. Contudo, o experiente médico Gonçalo Cordeiro Ferreira, 63 anos, garante que, em Portugal, não faltam pediatras. Em entrevista ao Diário de Notícias, o médico aponta os problemas do SNS na área da pediatria.
“Nunca houve tantos pediatras como agora, porque nunca houve tanta formação de pediatras”, esclarece o médico no Hospital Dona Estefânia, que lamenta o facto de os especialistas estarem concentrados em certas zonas e rarearem noutras, como o interior e a região do Algarve. “É uma desgraça. E há sítios onde não se percebe bem o que se passa, como no Algarve. Supostamente teria todas as condições para ser atrativo, mas não é”, refere.
O diretor da Área de Pediatria Médica no Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central (onde se incluiu o D. Estefânia) critica a falta de condições oferecidas aos médicos que queiram trabalhar em hospitais de zonas carenciadas. “Arranjem-lhes condições de alojamento e paguem-lhes para isso“, apela o médico.
Por outro lado, muitos pediatras não dão o seu contributo ao SNS porque trabalham no setor privado e outros já não fazem urgência, uma vez que podem dispensar esta componente a partir dos 55 anos.
Gonçalo Cordeiro Ferreira não defende um aumento da oferta mas sim uma reorientação da procura por parte dos pais e critica as idas desnecessárias às urgências pediátricas. “Nós sabemos como é a nossa população: acha que qualquer espirro esconde uma pneumonia ou um tumor. Temos de aumentar a literacia dos pais, provavelmente muitos dos casos nem precisam de ir aos cuidados de saúde primários”, sublinha o pediatra, acrescentando que “a maior parte dos estudos feitos mostram que, mesmo as creches oficiais, têm más condições de ventilação, crianças a mais para o espaço” e que isso origina a doença.
Assim, o também presidente da Comissão Nacional da Saúde Materna, da Criança e do Adolescente não tem dúvidas de que “vai ser impossível termos pediatras se continuarmos a ter esta completa loucura de acessos indiscriminados à urgência“. Por outro lado, falta tempo para os médicos gerirem a atividade programada. “Precisamos de ter pessoas a atender os doentes que estão internados, porque esses são os mais graves, e pessoas que façam consultas aos doentes que são referenciados para os hospitais”, refere. Com o foco colocado na urgência, o espírito de equipa dos serviços de pediatria sai afetado, alerta Gonçalo Cordeiro Ferreira.
Lembrando que apenas 3% das crianças que se deslocam às urgências ficam internadas (um número muito baixo), o especialista diz que estas “são um enorme consumidor de recursos, da paciência dos pais e não estão a servir para aquilo que foram feitas”.
TC/SO