22 Jun, 2020

Neurocirurgião de Coimbra sob suspeita na morte de vários doentes

Em causa estão situações de negligência médica por más práticas cirúrgicas. Muitas vítimas são jovens. Denúncias partiram de profissionais do hospital. Médico continua a operar.

Foi a partir de uma denúncia que o Ministério Público decidiu avançar com um inquérito criminal ao chefe da equipa de tumores cerebrais do Centro Hospitalar Universitário de Coimbra (CHUC), avança o Diário de Notícias. Em causa estão possíveis situações de negligência médica, que terão resultado na morte de vários doentes.

O médico em causa, que tem 62 anos, é chefe da equipa especializada em tumores cerebrais. No decorrer destas cirurgias, de elevado grau de complexidade, o médico usaria práticas desadequadas, nomeadamente em violação do legis artis (o conjunto de regras científicas e técnicas que os médicos devem conhecer), o que alarmou os profissionais que compunham as equipas médicas que o acompanhavam.

 

Anestesistas recusam-se a operar com o neurocirurgião

 

A práticas questionáveis do neurocirugião já são conhecidas há algum tempo mas, nos últimos dois anos, ter-se-ão agravado a tal ponto que vários anestesistas especializados em neurocirurgia se recusaram a operar com o clínico em causa. Apenas três anestesistas (de um conjunto de cerca de dez) continuam a trabalhar com este neurocirurgião, avança o DN.

Pelo menos dois pacientes, jovens, com 29 e 40 anos, terão sido vítimas de atos cirúrgicos negligentes. Mas os casos não se ficam por aqui. Um dos profissionais de saúde que contribui para a queixa apresentada ao Ministério Público fala em doentes que morrem ou são deixados  “com complicações muito graves após operações a tumores cerebrais no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, por negligência, numa base semanal, sem que ninguém faça nada”.

Uma outra fonte interna do hospital refere que “há jovens com tumores cerebrais operados no CHUC que morreram em circunstâncias não esclarecidas logo nas primeiras horas após a cirurgia, e sem que nenhuma explicação seja dada às famílias”.

 

CHUC desvalorizou denúncias

 

“Numa certidão de óbito [passada por um elemento da equipa cirúrgica], a causa da morte apontada foi edema do pulmão. Nunca é referido o facto principal que causou a disfunção cardiorrespiratória do doente, documentada, que foi a isquemia aguda do território das duas artérias cerebelosas póstero-inferiores, que irrigam parte do tronco cerebral, e que foram inadvertidamente laqueadas durante a cirurgia por um cirurgião que, violando a legis artis, nem usou microscópio cirúrgico – quando a utilização deste equipamento é obrigatório internacionalmente nestas cirurgias”, explica uma das fontes.

O próprio CHUC é acusado de ter desvalorizado as denúncias feitas por outros neurocirugiões, que chegaram mesmo a ser afastadas da área de cirurgia cerebral. O cirurgião continuou a operar e mantém-se em funções como chefe de equipa.

As queixas são de vária ordem: o médico em causa remove os tumores apenas parcialmente (prejudicando a sobrevida e a qualidade de vida dos doentes) e é acusado de enviar amostras demasiado pequenas dos tumores para o banco de tumores, tão pequenas que dificilmente são suficientes para gerar um diagnóstico. A situação é de tal forma flagrante que alguns doentes decidiram ser seguidos noutros hospitais. Contudo, a lista de espera deste neurocirurgião ainda tem mais de 70 doentes, diz fonte do CHUC.

Outro problema é a falta de escrutínio ao trabalho do médico. Não se conhecem taxas de mortalidade nem de morbilidade (sequelas graves) resultantes das cirurgias.

 

Profissionais receiam represálias

 

Entretanto, com a ajuda da Polícia Judiciária, o Ministério Público fez avançar a investigação, recolhendo documentos e ouvindo testemunhos dos profissionais que acompanharam o trabalho do médico. Também o CHUC abriu um “processo de inquérito, que se encontra a decorrer”. Contudo, entre os profissionais que denunciaram o caso, receia-se que o inquérito sirva para identificar quem avançou com as denúncias e há quem fale num clima de intimidação por parte das chefias.

Existe um clima de medo entre médicos e enfermeiros. Aquele doutor manda muito. Nas últimas semanas, talvez porque o médico tivesse sabido que estava a ser investigado, a pressão sobre o staff tem sido enorme, tentando fazer que não falem às autoridades ameaçando que podem perder o emprego”, disse um médico ao DN. “Quantos doentes com tumores cerebrais vão ter de morrer mais para que esta situação se modifique e os doentes possam ser operados com segurança e dignidade?”, questiona.

Já a Ordem dos Médicos, que tinha anunciado em março a abertura de um processo disciplinar, para apurar “a existência de eventual má prática clínica”, ainda não o fez e continua a afetuar diligências, adianta o Conselho Disciplinar Regional do Centro da Ordem dos Médicos.

TC/SO

 

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