Coordenador de Cardiologia no Hospital CUF Viseu
Mapeamento tridimensional do coração: do mapa das estradas ao GPS
Uma das principais (talvez a maior) inovação no tratamento das disritmias é o mapeamento eletroanatómico tridimensional. Esta técnica permite uma visualização precisa da anatomia do coração, da propagação dos impulsos elétricos e da posição intracardíaca dos cateteres usados para fazer a ablação no estudo eletrofisiológico, sem recurso a radiação, facilitando o diagnóstico e o tratamento por ablação por cateter.
Disritmias (ou arritmias) são todos os distúrbios da génese ou propagação do sinal elétrico no coração, que destabilizam o ciclo cardíaco normal de contração e relaxamento. As pessoas que sofrem de disritmias podem sofrer alterações agudas ou crónicas na qualidade e/ou quantidade de sangue propulsionada por minuto pelo coração. Isto provoca tonturas, cansaço, palpitações, desmaio ou mesmo morte súbita.
O coração que apresenta disritmias pode ter um funcionamento mais lento (bradicardia), que, se for irreversível, leva à necessidade de implantação de um marcapasso (pacemaker) definitivo.
Por outro lado, o pulso mais acelerado ou mais rápido (taquicardia) inclui formas mais benignas (como as extrassístoles) ou mais preocupantes (como a fibrilhação auricular ou taquicardia ventricular), que podem comprometer seriamente o funcionamento do coração e causar risco de vida. As taquicardias podem ser tratadas com medicação ou através de intervenção cardíaca estrutural por cateter.
Em causa estão estudos eletrofisiológicos, que são realizados no bloco operatório, muitos sob anestesia geral, sendo os cateteres introduzidos através de uma pequena punção venosa na virilha. Os movimentos milimétricos e precisos dos cateteres dentro do coração são controlados manualmente pelo cardiologista eletrofisiologista, e o principal objetivo é compreender o circuito da taquicardia. Uma vez localizado este circuito anómalo, a aplicação controlada de energia na ponta do cateter consegue interromper e tratar a arritmia, muitas vezes conseguindo até a cura.
Tradicionalmente, a exploração e navegação intracardíaca dos cateteres era feita pelo médico, com aparelhos de radiologia de tempo real e pela interpretação dos sinais colhidos pela ponta do cateter num dispositivo chamado polígrafo. Este método mais convencional é muito demorado, menos seguro e menos eficaz.
Uma das principais (talvez a maior) inovação no tratamento das disritmias é o mapeamento eletroanatómico tridimensional. Esta técnica permite uma visualização precisa da anatomia do coração, da propagação dos impulsos elétricos e da posição intracardíaca dos cateteres usados para fazer a ablação no estudo eletrofisiológico, sem recurso a radiação, facilitando o diagnóstico e o tratamento por ablação por cateter.
Um dos médicos brilhantes que abriu o caminho para a cardiologia como especialidade médica autónoma chamava-se Willem Einthoven. Em 1895 inventou a primeira máquina capaz de fazer electrocardiograma (ECG), pela qual recebeu o prémio Nobel da Medicina em 1924.
Imagine que desejava por curiosidade científica conhecer ao vivo a invenção de Einthoven, sabendo que ela está exposta nos Países Baixos. A electrofisiologia convencional é o turista que usa um mapa das estradas em papel da Europa quando decide viajar de Viseu aos Países Baixos, procurando a localidade de Leiden e depois ir perguntando a locais onde encontra o “National Museum Boerhaave”, onde está o primeiro eletrocardiógrafo feito pelo homem. Agora imagine fazer a mesma viagem colocando no GPS do telemóvel 5G a morada do referido museu: “Lange St. Agnietenstraat 10 2312 WC Leiden”. Essa é a diferença que o mapeamento tridimensional acrescenta aos que se aventuram a restaurar o ritmo sinusal normal em todos os doentes.