Imunidade de grupo “é uma miragem”, avisa o infecciologista Fernando Maltez
O infecciologista do Hospital Curry Cabral diz que a situação atual ainda não é a de endemia e que é preciso estar "muito atento" à emergência de novas variantes.
O infeciologista Fernando Maltez adverte que só quando todas as pessoas estiverem vacinadas e o vírus SARS-Cov-2 deixar de se replicar se passará à fase de endemia, considerando que atualmente a imunidade de grupo “é uma miragem”.
“Nós não entramos ainda nesta fase [endemia]. Nós estamos a viver uma fase em que aquela tal imunidade de grupo é uma miragem”, afirmou à agência Lusa o diretor do serviço de Doenças Infeciosas do Hospital Curry Cabral, que faz parte do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Central (CHULC).
Para Fernando Maltez, “é até um bocadinho perigoso” começar a falar já de endemia, afirmando que é preciso “perceber bem” o que são doenças endémicas, dando como exemplos o dengue no Brasil e a gripe.
São doenças que estão controladas e em que todos os anos se espera um ‘x’ número de casos, embora periodicamente possa aparecer um maior número de casos, e se toma uma vacina, explicou.
O que se verificou é que a vacinação contra a covid-19 não trouxe a proteção e a imunidade protetora duradoura suficiente para tranquilizar e evitar que as pessoas tenham de fazer vacinações mais repetidamente.
“A própria infeção quando a apanhamos não garante uma imunidade protetora duradoura e, portanto, nós estamos perante uma doença que tem que ser controlada, vacinando a população toda”, salientou.
O infeciologista defendeu que é preciso estar “muito atento” à emergência de novas variantes, com “um controle rigoroso” das fronteiras e fazer “uma sequenciação genómica criteriosa para as identificar em tempo útil”.
Disse ser fundamental que toda a população esteja vacinada e que “as crianças façam parte desse plano global”, realçando também a importância de “não relaxar as medidas não farmacológicas” enquanto não se atingir uma taxa de vacinação de 100%.
“A vacinação tem se ser feita à escala global tem que ser alargada, nós temos que estar preparados com vacinas provavelmente de segunda e terceira geração que nos deem cobertura para estas variantes que vem com características imprevisíveis”, salientou.
Neste momento, está a lidar-se com uma variante (Ómicron), que “tem maior transmissibilidade, mas que felizmente tem menor gravidade do ponto de vista clínico e induz menor mortalidade e menor taxa de hospitalização”.
“Mas enquanto não estivermos todos vacinados, enquanto o vírus continuar a replicar-se em pessoas que não estão vacinadas, corremos o risco de ter variantes que podem ter características de maior gravidade, de maior transmissibilidade, de maior letalidade e pôr em risco tudo aquilo que está para trás”, alertou.
“Quando tivermos, eventualmente, um antivírico eficaz que iniba diretamente a replicação do vírus e respeitando essas medidas não farmacológicas e mantendo esta testagem massiva é provável então que entremos nessa fase endémica que nos obriga periodicamente fazer um reforço vacinal para manter esse estado de endemicidade”, sustentou Fernando Maltez.
Mas, para isso, “era desejável” que todas estas variáveis fossem mantidas ao nível global, não só em Portugal e não só na região europeia.
“Tendo em conta o estado atual da arte é até previsível que se possam desenhar situações epidemiológicas muito diferentes consoante a região geográfica do globo”, tendo em conta as taxas de vacinação.
Questionado sobre se o aumento diário de novas infeções, que na quarta-feira ultrapassaram as 65.500, tem-se refletido nos internamentos, o médico afirmou não é nada que se pareça com o que aconteceu há um ano.
Mas tem-se vindo a notar um aumento paralelamente ao aumento do número de novos casos, sendo de prever, tendo em conta a atual trajetória da pandemia, “uma maior pressão sobre os internamentos” e em consequência também proporcionalmente um maior número de óbitos.
“A quota do meu serviço para doentes infetados com SARS-Cov-2 está preenchida, tivemos de nos alargar para outros serviços do hospital (…) e isto obviamente vai ter consequências também depois no atendimento de outras patologias não-covid”, afirmou.
Segundo Fernando Maltez, 70% dos doentes internados no hospital são vacinados, alguns deles até com a dose de reforço.
Destes doentes, cerca de 40% estão internados por manifestações clínicas induzidas pelo próprio vírus e os restantes são doentes internados concomitantemente com covid-19 e outras patologias.
“Entre estes, temos doentes que entram no hospital, por exemplo, por uma patologia traumática ou que entram para fazer uma determinada cirurgia e que o rastreio obrigatório para exclusão da infeção deteta que estão infetados com o SARS-Cov-2”, explicou.
SO/LUSA