Hepatite C: “Agora que temos as armas ideais, tudo se torna administrativamente mais embaraçoso”

Em entrevista ao SaúdeOnline, o diretor do Serviço de Gastrenterologia do Hospital de São João critica a demora no acesso dos doentes à medicação e alerta que para se atingir a eliminação da doença “não pode haver obstáculos”.

Olhando para o terreno, e tendo em conta a sua experiência, diria que estamos no caminho para atingir a meta proposta de eliminar a Hepatite C até 2030?

Há um caminho, existe uma grande consciencialização do que é preciso fazer. Entendemos a importância que tem conseguirmos atingir as metas da OMS, existe essa consciência. O que ainda falta é ficarem estabelecidos os caminhos apropriados para rapidamente se conseguir este desiderato. Penso que neste momento não é difícil Portugal atingir as metas se forem tomadas duas ou três medidas estruturais e definitivas. Consciência existe, o que parece não existir é um caminho. Têm havido várias tentativas para tentar sensibilizar os diferentes grupos políticos para a necessidade de um programa de rastreio, que é essencial para encontrarmos os milhares de portugueses que ainda estão infetados.

E esse rastreio teria de ser universal?

Em primeiro lugar é preciso acordarmos um rastreio. Existem dois tipos possíveis de rastreios. Um é o rastreio universal, que é controverso mas que seria uma modalidade indispensável. Há outra modalidade que, não só era mais barata, como teria também eficácia, que é o rastreio por grupo etário. Isto significa que, para além dos tradicionais grupos de risco, seria feito um rastreio universal a todos os indivíduos que tivessem mais de 50 anos. Para mim, tem de se chegar a uma conclusão de qual é o programa de rastreio e não andarmos na eterna discussão de saber se um é melhor do que outro.

O outro ponto tem a ver com a acessibilidade aos medicamentos, ou seja, tentar agilizar o que existe atualmente para outras situações (como a Hepatite B e o VIH), em que o médico faz a prescrição e, em minutos, a farmácia hospitalar tem o fármaco disponível.

Mas já foi uma realidade no início, não foi?

Era mais fácil mas, mesmo assim, havia demoras. A Hepatite C só teve um acesso fácil à medicação muito antes do aparecimento dos novos antivíricos de ação direta, quando usávamos interferão e ribavirina – com todos os problemas que tínhamos. Curiosamente, nessa altura a medicação era ainda mais cara do que é agora. Nessa altura, fazíamos a prescrição e, na mesma hora, o doente fazia o levantamento dos medicamentos. Agora, que temos as armas ideais, parece que tudo se torna administrativamente mais embaraçoso.

Qual é a média de espera neste momento?

Varia de instituição para instituição. Seja como for, para as populações vulneráveis (que têm dificuldades de acesso aos cuidados médicos) todas as vezes em que têm de voltar ao hospital é um novo obstáculo. Se pretendermos a eliminação, não pode haver obstáculos. Agora, isso nem é uma decisão que implique custos adicionais para a tutela. Implica sim uma decisão estratégica e que todas as pessoas compreendam que o objetivo é realizável.

Neste momento descobrir os milhões de pessoas infetados em todo o mundo é o assunto mais premente, para que se tenha consciência de quantas pessoas é preciso tratar. Em termos populacionais, a única forma de eliminar a Hepatite é atingir toda a gente.

Tem-se dito que não só é possível atingir a meta em 2030 como é possível até antecipa-la. É assim mesmo?

2030 é uma perspetiva à escala global, por isso reflete uma miríade de realidade socioculturais diferentes. Ora num país como o nosso, numa legislatura poderíamos ter o assunto resolvido. Isto se houvesse vontade política para atingir esse objetivo

Há alguma estimativa de quantos doentes estão por tratar?

Embora seja permanentemente criticável o facto de não haverem números exatos, a verdade é que nenhuma parte do mundo há números exatos. Existem estimativas nos EUA, França, Espanha. Neste momento, em Portugal, estimamos que temos por identificar entre 30 a 50 mil pessoas.

SO

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