Gases e flatulência
Assistente Graduada de Gastrenterologia, Serviço de Gastrenterologia do Hospital CUF Descobertas, Lisboa, Sociedade Portuguesa de Coloproctologia

Gases e flatulência

Introdução
A presença de gases no tubo digestivo é uma situação natural que resulta da deglutição de ar e do processo de digestão dos alimentos que ingerimos. Ao deglutirmos alimentos, bebidas ou mesmo saliva, engolimos pequenas quantidades de ar. Estima-se que em média deglutimos, diariamente, cerca de 500 ml de ar. No intestino grosso, as bactérias intestinais desempenham um papel fundamental na formação de gases uma vez que são responsáveis pelo processo de fermentação ao decompor os alimentos que o intestino delgado não conseguiu digerir totalmente.

A flatulência resulta da acumulação de gases no tubo digestivo que acabam por ser libertados especialmente pelo ânus. Podem causar distensão e desconforto abdominal, sensação de enfartamento e até algum constrangimento, que no seu conjunto contribuem para uma redução da qualidade de vida da pessoa afetada, levando-a muitas vezes a procurar uma consulta de gastrenterologia.

Quais são as causas da flatulência?
Existem vários fatores que podem estar implicados na etiologia da flatulência e que se prendem com:

  1. Estilo de vida e hábitos alimentares: Comer depressa, falar muito durante a refeição e mastigar pastilha elástica podem levar a um aumento de ar deglutido. Estes hábitos podem ainda ser o reflexo de alguma ansiedade ou stress que só por si também podem contribuir para a quantidade de ar deglutido diariamente. O sedentarismo também contribui para a flatulência sobretudo se associado a obstipação.
  2. Qualidade dos alimentos: Alguns alimentos apresentam na sua composição elevadas quantidades de FODMAPs. As FODMAPs são um grupo de hidratos de carbono complexos que algumas pessoas têm dificuldade em digerir. Estes alimentos são pouco absorvidos no intestino delgado e quando chegam ao cólon são fermentados pelas bactérias intestinais levando a uma maior produção de gases. Alguns exemplos são: lacticínios (lactose), leguminosas (feijão, grão, lentilhas), cebola, alho, alho francês, couve-flor, brócolos, pera, maça, melancia, abacate e adoçantes artificiais entre outros.
  3. Disbiose intestinal ou alteração da flora intestinal: Um desequilíbrio na flora intestinal pode resultar do uso excessivo de antibióticos, de uma mudança da alimentação ou de infeções gastrintestinais. Estas situações promovem o crescimento excessivo de certas bactérias que produzem mais gases durante o processo digestivo. Estas bactérias fermentam rapidamente certos alimentos e algumas destas produzem quantidades maiores de gases sulfurados que têm um odor mais forte e desagradável.
  4. Doenças gastrintestinais: Algumas patologias gastrintestinais estão associadas a maior produção de gases, nomeadamente a doença celíaca, intolerância a lactose, síndromes de má absorção e síndrome do intestino irritável, entre outros.

A flatulência pode ser indicadora de algum problema de saúde grave?
A flatulência isoladamente não é preocupante apesar de ser muito desconfortável, no entanto se for persistente ou acompanhada de outros sintomas como dor abdominal, alteração dos hábitos intestinais, emagrecimento inexplicável ou sangue nas fezes, pode indicar alguma situação mais grave pelo que nesses casos deve consultar um médico para excluir doenças ou condições associadas.

Como podemos tratar a flatulência?
A flatulência é o sintoma mais difícil de tratar uma vez que existem muitos fatores envolvidos na sua formação. Depende não só daquilo que comemos, mas também da forma como comemos. Podemos, no entanto, atuar nesses fatores em simultâneo, de forma a reduzir consideravelmente o desconforto provocado pela flatulência, melhorando assim a qualidade de vida do paciente.

Algumas das medidas que podem ajudar a reduzir a flatulência são:

  1. Comer devagar e mastigar bem os alimentos: Comer rápido implica necessariamente deglutir mais ar, o que pode levar à acumulação de gases. Mastigar bem ajuda no processo inicial da digestão e reduz a quantidade de ar ingerido.
  2. Reduzir ou eliminar alimentos fermentáveis – FODMAPs- de acordo com a tolerância: Numa fase inicial faz-se uma restrição destes alimentos durante cerca de 4 semanas e depois faz-se a sua reintrodução gradual e controlada (cada 3 dias) de forma a identificar quais são os alimentos que desencadeiam uma maior produção de gases. Esta estratégia implica uma abordagem personalizada que pode ser eficaz em reduzir a flatulência. É importante referir que este processo pode ser difícil e demorado até conseguir identificar os alimentos que podem estar associados a maior produção de gases, pelo que devemos encorajar o paciente a não desanimar. A colaboração de um nutricionista pode ajudar neste processo.
  3. Ingerir alimentos probióticos: Alguns iogurtes e fermentados possuem probióticos que ajudam a equilibrar a flora intestinal, atuando positivamente no processo digestivo e na redução de gases.
  4. Evitar consumo de bebidas com gás: Estas bebidas podem aumentar a acumulação de gases no trato digestivo.
  5. Beber pelo menos 1,5 litros de água por dia: A hidratação ajuda no processo digestivo e melhora o transito intestinal, prevenindo a flatulência.
  6. Evitar mastigar pastilhas elásticas e fumar: Estes hábitos levam a um aumento do ar deglutido.
  7. Praticar exercício físico: O exercício físico regular ajuda a estimular o transito intestinal, mobilizar e expulsar os gases acumulados. Pode, indiretamente, ajudar a reduzir o stress e a ansiedade nos casos em que estão presentes.

Quando estas mudanças de hábitos e estilo de vida não são eficazes podemos associar terapêutica medicamentosa, nomeadamente simeticone ou dimeticone. Em casos específicos, o uso de enzimas digestivas pode estar indicado. Se admitida uma alteração da flora intestinal pode ser adequada a administração de um suplemento rico em probióticos.

Na presença de uma doença gastrintestinal subjacente, o controlo e tratamento da mesma pode ajudar a aliviar a flatulência.

 

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