Epilepsias refractárias
Neurologista e Neurofisiologista Clínico, Hospital Beatriz Ângelo, Loures; Centro de Referência em Epilepsias Refractárias, Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental; Unidade de Epilepsia e Sono, Hospital da Luz Torres de Lisboa

Epilepsias refractárias

A epilepsia é uma das patologias neurológicas mais frequentes, afectando 0.7-1% da população, milhões de pessoas em todo o mundo, sendo mais frequente nas crianças e idosos. As epilepsias caracterizam-se pela existência de circuitos neuronais, focalizados ou generalizados, que, funcionando de forma anómala, originam crises epilépticas, a manifestação clínica dessa mesma disfunção.  Existem vários tipos de crises epilépticas, tais como diferentes causas de epilepsia, pelo que a sua a abordagem diagnóstica e terapêutica é complexa, devendo ser feita por um Neurologista com especialização nesta área.

Os fármacos anti-crises epilépticas (FACE), independentemente do tipo de epilepsia, constituem a primeira linha de tratamento. Actualmente existem cerca de 20 FACE disponíveis em Portugal, e a escolha dos mesmos para o tratamento de cada doente deve ser um processo personalizado. Se tal acontecer, é conseguido o controlo total das crises em cerca de 70% dos doentes, que assim fazem uma vida absolutamente normal. No entanto, nos restantes 30% de doentes o controlo de crises não é conseguido após a utilização de 2 ou mais FACE, constituindo as epilepsias refractárias.

As epilepsias refractárias associam-se a várias problemáticas, como o desemprego ou incapacidade de condução; custos económicos do tratamento e internamentos; patologias psiquiátricas, como a depressão, ansiedade e psicoses; déficits cognitivos; discriminação social; ou morte súbita em epilepsia.

Em Portugal existem 5 centros especializados na avaliação de doentes com epilepsias refractárias, 2 em Lisboa, 1 em Coimbra e 2 no Porto. Nestes, uma equipa multidisciplinar, constituída por médicos de várias especialidades, é responsável pela avaliação de cada caso individual após a análise dos resultados de vários exames complementares de diagnóstico, tais como a monitorização prolongada de vídeo-EEG, a ressonância magnética de alta resolução, a avaliação neuropsicológica, e a avaliação psiquiátrica. Dependendo do resultado destes exames poderá haver a necessidade de efectuar exames de 2.ª linha, tais como a tomografia de emissão de positrões, ou mesmo monitorização EEG invasivas, nas quais a actividade eléctrica cerebral é registada através de eléctrodos intra-cerebrais.

O objectivo principal desta avaliação é determinar se existe uma região cerebral claramente responsável pela geração de crises, e se a mesma pode ser retirada sem condicionar déficits ao doente (motores, de linguagem, memória, visuais ou outros). Quando tal acontece, a resseção cirúrgica dessa região é o procedimento que oferece uma maior probabilidade de o doente ficar sem crises. Em casos mais complexos uma cirurgia ressectiva poderá não ser possível. Nestes casos, outras modalidades terapêuticas poderão ser efectuadas na tentativa de um melhor controlo das crises, nomeadamente técnicas de neuro-estimulação (cerebral profunda, estimulador do nervo vago), cirurgia paliativa, dieta cetogénica ou utilização de novos FACE, alguns somente disponíveis nos centros de referência de epilepsias refractárias.

Num futuro que se espera próximo, o desenvolvimento de novos FACE, exames de investigação, técnicas cirúrgicas ou mesmo terapêuticas genéticas, poderão oferecer novas oportunidades de tratamento aos doentes com epilepsias refractárias, contribuindo para a diminuição das problemáticas associadas às mesmas e a uma melhoria da qualidade de vida destes doentes.

Este artigo foi escrito ao abrigo do antigo acordo ortográfico

 

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“A maioria dos doentes a quem é diagnosticada epilepsia tem a sua doença controlada”

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