30 Set, 2019

Entrevista: 60% dos Cancros de Cabeça e Pescoço são diagnosticados já numa fase avançada

No âmbito da 7ª edição da Semana Europeia da Luta contra o Cancro da Cabeça e Pescoço, o SaúdeOnline entrevistou a médica oncologista Ana Castro, que alerta para o perigo de lesões na boca que persistem durante mais de três semanas.

O cancro de cabeça e pescoço corresponde a qualquer tipo de cancro que possa ser encontrado na região da cabeça ou do pescoço, com exceção dos olhos, cérebro, orelhas e esófago. Em Portugal, todos os anos são diagnosticados cerca de três mil novos casos desta patologia, sendo que destes 60% são diagnosticados já numa fase avançada, o que compromete o diagnóstico e o tratamento. Quando diagnosticado numa fase inicial, pode apresentar uma taxa de sucesso do tratamento que ronda os 80, 90%.

 

Quais os sinais a que as pessoas devem estar atentas?

Devem estar atentas a alterações dentro da boca – lesões vermelhas, brancas ou tipo afta, dores de garganta, rouquidão, alterações auditivas, habitualmente só de um dos lados, obstrução nasal, também só de uma das narinas. Se estes sintomas persistirem por mais de três semanas, as pessoas devem deslocar-se ao médico. As pessoas mais velhas devem ter atenção às próteses dentárias que, por vezes, estão mal adaptadas.

 

Estes sinais são comuns a todos os subtipos de cancro do Cancro da Cabeça e Pescoço?

Não. Habitualmente os que envolvem as fossas e seios perinasais, com obstrução nasal e sangramento e os que afetam também a parte auditiva são os tumores mais localizados nas fossas nasais e seios perinasais. A rouquidão é mais comum no cancro da Laringe; a dor de garganta no cancro da Orofaringe; e as alterações das feridas, das aftas são mais comuns no cancro da cavidade oral.

 

Destes subtipos de cancro qual o que tem maior incidência na população portuguesa?

O mais frequente é o Cancro da Laringe [representando cerca de 25% deste tipo de cancro]. São diagnosticados cerca de 600 novos casos por ano, sendo Portugal o terceiro país da Europa com maior incidência deste tipo de cancro.

 

Na sua opinião, o que falta para que as pessoas ganhem consciência que é necessário parar e escutar os sinais que o corpo lhes envia?

Acho que isso acontece sobretudo devido ao desconhecimento. As pessoas podem não saber que existe a possibilidade de haver cancros neste tipo de localizações [Fossas Nasais, Orofaringe, Hipofaringe, Glândulas Salivares, Língua]. Para além disso, acho que as pessoas também desconhecem que os sintomas podem ser coisas tão “normais” [como os descritos acima]. Como são sintomas muito frequentes [fora do contexto oncológico] e que originam situações normalmente benignas, as pessoas acabam por desvalorizar e pensam que os sintomas vão passar, quando nem sempre é assim.

 

Após o diagnóstico de Cancro, quais as terapêuticas disponíveis atualmente?

Neste momento temos a cirurgia como tratamento curativo, a radioterapia sozinha ou em conjunto com a quimioterapia, que pode também ser usada como tratamento curativo e, em contexto metastático, temos a quimioterapia e a imunoterapia (tratamento injetável que estimula as defesas para responder contra o cancro).

 

Quando se ultrapassa a patologia oncológica ficam as marcas e um olhar por vezes diferente dos demais. Na sua opinião, ainda existe estigma quando os doentes oncológicos em remissão regressam ao trabalho?

Sim, existe. Mas são situações diferentes. Enquanto no Cancro da Cabeça e Pescoço existem pacientes que ficam com limitações importantes e que podem ser irreversíveis, como a alteração da imagem, alteração da voz, dificuldades na deglutição, estas situações [de doença oncológica em geral] têm implicações no regresso ao trabalho. Em Portugal, ainda não sabemos receber no trabalho as pessoas que regressam [à rotina profissional] com qualquer tipo de patologia oncológica, o que faz com que essas mesmas pessoas se sintam isoladas e pensem que as outras não querem falar com elas, quando na realidade se trata “apenas” da incapacidade de as pessoas que estão ao seu redor saberem lidar com o assunto.

Por esse motivo, este ano, temos também uma campanha mais vocacionada para as empresas, para ajudar a receber estes doentes, não só as que sofrem com o Cancro de Cabeça e Pescoço, mas todas as outras pessoas que têm qualquer outra patologia oncológica.

 

São formações dirigidas especificamente para as empresas orientadas por quem?

O Grupo de Estudos de Cancro de Cabeça e Pescoço está a articular as sessões com as confederações para poder ser posteriormente implementado em diferentes áreas, quer da indústria, quer dos serviços, do comércio e por aí fora. Mas, estamos ainda em conversações para encontrar a melhor forma de implementar o projeto nas empresas e reintegrar as pessoas com oncologia nos seus locais de trabalho. É um processo longo e que vai durar o ano todo. É um trabalho intenso de formação em diferentes fóruns.

 

O Cancro de Cabeça e Pescoço pode deixar sequelas no doente. Sabendo que existem vários subtipos de cancro deste, como poderá a reabilitação dos pacientes ser realizada e em que casos?

Estes doentes podem precisar de várias coisas, como reabilitação oral, que pode ser feita depois de terminar os outros tratamentos (não pode ser realizada ao mesmo tempo que estão a ser feitas outras terapêuticas). Podemos estar a falar também no sentido do doente reaprender a falar, no caso de ter um tumor na língua em que parte da língua que foi atingida, por exemplo, pelo que a terapia da fala é muito importante.

No caso dos tumores da cavidade oral, existe a reabilitação oral que é realizada logo após a cirurgia através de reconstruções, o que lhes vai alterar a imagem. Nestes casos, é importante trabalhar, juntamente com um psicólogo, para ajudar na reabilitação.

 

São muitos os doentes cuja reabilitação se centra também num tratamento/seguimento psicológico ou psiquiátrico?

Sim, os hospitais que tratam esta patologia do Cancro de Cabeça e Pescoço (que não são todos os hospitais existentes) têm uma equipa multidisciplinar que envolve o psicólogo e psiquiatra, porque são situações que carecem desse apoio, não só pela questão da imagem e pelas limitações que estes podem conferir ao doente, mas também porque, muitas vezes, são doentes com hábitos tabágicos, hábitos alcoólicos e precisam desse apoio para ser reabilitados.

 

EQ/SO

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