Entrevista. “Os pediatras que se dedicam à Medicina do Adolescente deviam ser reconhecidos”

Hugo Braga Tavares defende a criação da subespecialidade de Medicina do Adolescente. O presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina do Adolescente alerta para uma fase da vida que se inicia cada vez mais cedo e que pode estender-se para lá dos 19 anos.

Quais são os problemas que mais afetam os adolescentes atualmente?

A adolescência é um período de muitas mudanças biológicas e psicológicas, em que os jovens são necessariamente obrigados a definir a sua identidade física, social, moral, sexual. Muitas das disfunções estão relacionadas com a reorganização dos papéis, com a forma como os adolescentes se passam a ver e relacionar com os pais, os professores, os amigos… O cérebro dos adolescentes não tem ainda a capacidade para antecipar totalmente as consequências dos seus atos, o que potencia a adoção de comportamentos exploratórios e de risco. O crescimento normativo dos jovens está assim muito dependente da comunicação com os pais e da forma como estes aceitam este processo. Nos últimos tempos temos assistido, de forma particular, a um crescimento dos problemas de saúde mental, muito relacionados com a pandemia, e para os quais tem faltado uma resposta adequada e atempada. O atual sistema de ensino está obsoleto e as ofertas educativas são desadequadas às necessidades deste período da vida tão complexo.

 

Existem muitas unidades de Medicina do Adolescente, nomeadamente no Serviço Nacional de Saúde (SNS)?

Unidades com internamento específico para adolescentes temos três: Viseu, Braga e Hospital Dona Estefânia (Lisboa). Quanto aos serviços com consulta de adolescência, já são vários. Atualmente existem 39 consultas de adolescentes em centros públicos, mais uma ou duas no setor privado. A distribuição é muito assimétrica, existindo 13 centros no Norte, sete na região Centro, e 14 na região de Lisboa e Vale do Tejo, uma na Madeira e duas nos Açores. Destas 39, há apenas nove unidades que, neste momento, têm idoneidade formativa para treinar pediatras no atendimento ao adolescente.

“De acordo com os últimos dados, há um milhão de adolescentes (entre os 10 e os 19 anos) a residir em Portugal, atualmente, ou seja, 10% da população portuguesa”

Deveriam ser em maior número?

Sim, sobretudo porque o programa curricular dos internos de formação especializada em Pediatria foi revisto recentemente e inclui a possibilidade de maior tempo de formação nesta área. De acordo com os últimos dados, há um milhão de adolescentes (entre os 10 e os 19 anos) a residir em Portugal, atualmente, ou seja, 10% da população portuguesa. Com o início cada vez mais precoce da puberdade (mudanças corporais da adolescência) e a autonomia cada vez mais tardia dos jovens que deixam a casa dos pais em idades mais avançadas, a população-alvo parece estar a aumentar.

 

E nos cuidados de saúde primários (CSP), deveria ser obrigatório haver consultas de adolescência?

Sim. Já existem estas consultas em algumas unidades, contudo ainda não há nada implementado oficialmente. A maioria dos jovens são acompanhados pelo médico de família e para as unidades hospitalares apenas são referenciados casos com necessidade de abordagem/intervenção especial. É, por isso, fundamental que a nível dos CSP sejam criadas soluções para este grupo etário.

“Como desafios futuros, além da atual “epidemia” de problemas de saúde mental, devemos considerar as novas organizações familiares que têm forte impacto nos jovens, as questões de identidade de género e as especificidades dos adolescentes migrantes”

O que se pode esperar do futuro da Medicina do Adolescente?

Devem ser criadas condições para os adolescentes terem resposta a nível dos CSP. A nível hospitalar esperamos ter mais unidades e médicos com diferenciação nesta área, porque os adolescentes são uma fatia importante da população portuguesa. É fundamental, também, apostar na formação dos profissionais de saúde para o atendimento dos jovens adultos, já que acabam por ser um grupo com características próprias (muitos têm dificuldade em ganhar a sua própria autonomia e outros entram na Faculdade ainda com muitas questões por resolver; às vezes, com 21 ou 22 anos…). Como desafios futuros, além da atual “epidemia” de problemas de saúde mental, devemos considerar as novas organizações familiares que têm forte impacto nos jovens, as questões de identidade de género e as especificidades dos adolescentes migrantes. Por fim, mas não menos importante, os pediatras que se dedicam à Medicina do Adolescente deviam ser reconhecidos pelas suas competências e especificidades. Esta área devia ser uma subespecialidade pediátrica à semelhança do que já acontece em muitos países.

Texto: Maria João Garcia

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