Dupla inconstitucionalidade
A inexistência de regulamentação da profissão de optometrista, reconhecida como […]

Dupla inconstitucionalidade

A inexistência de regulamentação da profissão de optometrista, reconhecida como um dos três grandes grupos de profissionais dentro da saúde da visão pela Organização Mundial da Saúde, constitui uma dupla inconstitucionalidade, por omissão e por ação, que deve ser analisada e tratada pelo Tribunal Constitucional.

A total inexistência de regulamentação da profissão de optometrista permite que a mesma seja realizada por profissionais sem competências técnicas efetivas e credíveis para o exercício da função, situação que entendemos ser manifestamente grave, bem como perigosa para a saúde pública. A situação atual de acesso e prática livre à profissão de Optometrista não é compatível com a qualidade e segurança, que o próprio Estado coloca e exige na formação académica em universidade portuguesas em Optometria e Ciências da Visão.

Um Estado que se demite da sua função não é um Estado em quem os cidadãos possam confiar, um Estado que reconhece um vazio flagrante na regulamentação de uma determinada matéria, e que nada faz, é um Estado que coloca os cidadãos, que devia defender, à mercê de falhas e erros evitáveis. Não é mais possível que a nossa profissão não seja regulamentada. Por estes motivos a Associação de Profissionais Licenciados em Optometria (APLO) vai entregar uma petição ao Presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues.

Para o constitucionalista Jorge Miranda, a inconstitucionalidade por omissão é patente pela falta de lei de regulamentação da profissão de optometrista, que se traduz no incumprimento das obrigações do Estado de efetivação do direito à prestação de saúde contemplado no artigo 64º da Lei Fundamental. Daqui resulta uma inconstitucionalidade por ação, pois a falta desta regulamentação provoca uma manifesta desigualdade perante outras profissões com idêntico grau de licenciatura académica. Esta desigualdade configura uma discriminação contra a profissão de optometrista, violando o princípio fundamental da igualdade dos cidadãos perante a Lei. É também este o motivo pelo qual os Optometristas são impedidos de contribuir ainda mais para Mais e Melhores Cuidados para a Saúde da Visão. Como a maior classe de prestadores de cuidados para a saúde da visão em Portugal, os Optometristas são especialistas nos cuidados primários para a saúde da visão. Não é mais admissível que não se capitalize os recursos humanos e não se potencie o investimento português na formação dos Optometristas, garantindo acesso aos cuidados primários para a saúde da visão, para todos, em todos os locais e em todos os momentos.

Relembramos que a Direção-Geral do Ensino Superior classifica os planos de estudos universitários de Optometria exatamente na área da saúde, com competências claras para avaliação, diagnóstico, prescrição e terapêutica de problemas da saúde da visão em autonomia e independência e que os mesmos são de inquestionável qualidade e estão totalmente acreditados pela Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior. A APLO é constituída exclusivamente por licenciados de Optometria com mais de 1.220 membros, sendo que mais de 80% possuem mestrado (5 anos) ou licenciatura (4 anos e meio) com estágio profissional incluído, como mínimo, à semelhança de esmagadora maioria dos países europeus e mais avançados no mundo.

A função do optometrista é reconhecida por várias instituições oficiais, incluindo várias que fazem parte do Ministério da Saúde; a Autoridade Tributária reconhece que os cidadãos podem deduzir 15% dos encargos com meios de correção visual (óculos e lentes de contacto) desde que prescritos por um oftalmologista ou optometrista credenciado; a ADSE e todos os subsistemas de saúde do Estado Português aceitam para efeitos de comparticipação os meios de correção e compensação prescritos por optometrista legalmente habilitado; a Entidade Reguladora da Saúde (ERS) tem um parecer onde afirma expressamente que os consultórios de optometria estão sujeitos à regulamentação e licenciamento por parte desta entidade.  A declaração emitida por um optometrista também é solicitada por inúmeros médicos de família, para a obtenção ou revalidação da carta de condução.  Mais de 70% das prescrições de óculos e lentes de contacto em Portugal são emitidas por Optometristas, realizando mais de 2 milhões de consultas.

Também a Organização Mundial da Saúde e a Agência Internacional para a Prevenção da Cegueira recomendam explicitamente o reconhecimento da profissão de optometrista e a sua integração nos centros de saúde, como o profissional responsável pelos cuidados primários para a saúde da visão. Estas recomendações fazem parte do Plano de Ação Global: Acesso Universal aos Cuidados para Saúde da Visão da Organização Mundial de Saúde subscrito pelo Ministério da Saúde do Estado Português. Com esta medida e suportado por estudos realizados em Portugal pelos mais reputados especialistas na matéria, a APLO acredita que poderia ser resolvido o problema crónico da lista de espera de consulta hospitalar de especialidade em Oftalmologia, potenciando e rentabilizando os recursos e financiamento público investido na formação dos Optometristas e demais profissionais prestadores de cuidados para a saúde da visão.

Exemplo disso é o Centro Hospitalar de Trás-os-Montes que, em 2010, contratou quatro optometristas numa tentativa de reduzir o tempo de espera dos seus utentes ao acesso de uma consulta de cuidados primários de saúda visual. Surpresa, ou não, em apenas um ano, a lista de espera reduziu para zero dias.

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