Contenção Física na Pessoa Idosa Institucionalizada: Um Desafio Ético e Clínico
Médico coordenador das Residências emeis Portugal

Contenção Física na Pessoa Idosa Institucionalizada: Um Desafio Ético e Clínico

A utilização de contenções físicas em Estruturas Residenciais para Pessoas Idosas (ERPI) é um tema de grande relevância, envolvendo questões éticas e de segurança nos cuidados prestados em Geriatria. Embora as contenções possam ser aplicadas como último recurso em situações de risco, a sua utilização tem gerado um debate intenso sobre a dignidade e os direitos dos idosos, nomeadamente o direito à liberdade, autonomia e bem-estar.

A contenção física inclui qualquer intervenção que impede o movimento livre de uma pessoa, muitas vezes aplicadas em residentes com demência ou outros quadros neuropsiquiátricos, com o intuito de evitar quedas ou controlar a agitação. Contudo, a prática é controversa, pois está associada a diversas consequências adversas, tais como úlceras de pressão, infeções, atrofia muscular, agravamento da agitação e até aumento do risco de morte. Estes efeitos colaterais levantam a questão: será ético limitar a liberdade dos idosos na tentativa de uma suposta proteção?

Apesar de não existir qualquer algoritmo, guidelines ou orientação de que as contenções físicas devam ser usadas com o objetivo de evitar quedas e controlo de agitação, a Lei nº31/2018, e a recente Lei nº35/2023, estabelece critérios para a aplicação de contenções, reservando-as para situações excecionais e sob prescrição médica. As contenções devem ser aplicadas com a supervisão de uma equipa multidisciplinar e revistas regularmente para garantir que continuem a ser necessárias e proporcionais ao risco envolvido.

No entanto, ao contrário da realidade noutros países, em Portugal a verdade é que o uso de contenções físicas é comum. Segundo estudos, a prevalência de contenções em lares portugueses pode variar entre 10% e 87%, dependendo do tipo de instituição. Essa prática comum, muitas vezes, é justificada pela prevenção de quedas e pela ausência de vigilância contínua, mas o impacto psicológico e físico nos residentes é significativo, levando à degradação da sua qualidade de vida.

Existem alternativas eficazes e menos invasivas às contenções físicas, envolvendo por exemplo prática de exercício físico, terapia ocupacional, integração em atividades com significado, otimização de técnicas de comunicação, o ambiente snoezelen, terapia com animais, higiene do sono, etc.

Estas abordagens, baseadas em intervenções não farmacológicas, têm demonstrado ser eficientes em reduzir a agitação e outros sintomas neuropsiquiátricos em idosos com demência, ao mesmo tempo que preservam a sua autonomia e dignidade. Nas Residências emeis, por exemplo, uma política de cuidados “sem contenções” mostra resultados positivos na satisfação dos residentes e das suas famílias e também na motivação dos profissionais.

A transformação do cuidado ao idoso depende de uma mudança de paradigma. Atualmente, existem vários movimentos e petições que defendem uma abordagem centrada na pessoa, priorizando alternativas à contenção e promovendo políticas públicas que respeitem a dignidade e os direitos humanos. As projeções para o envelhecimento populacional para as próximas décadas reforçam a urgência desta mudança.

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