Como a tecnologia na área da saúde torna o doente num agente ativo na prevenção das doenças CV
Unidade de Electrofisiologia Cardíaca do Hospital Garcia de Orta

Como a tecnologia na área da saúde torna o doente num agente ativo na prevenção das doenças CV

Nos últimos anos, a tecnologia digital aplicada à área da saúde levou ao desenvolvimento de dispositivos móveis com capacidade de monitorizar e analisar o pulso e o eletrocardiograma, onde se incluem pulseiras de atividade, smartwatches e aplicações para telemóvel. Alguns destes dispositivos dispõem já de algoritmos para deteção de fibrilhação auricular (FA), o que pode vir a permitir monitorizar,  de forma não invasiva e com um custo eventualmente aceitável, segmentos da população considerados de alto risco.

Apesar dos grandes progressos no conhecimento médico sobre a fibrilhação auricular e as suas implicações terapêuticas, a informação disponível sobre como gerir episódios breves ou subclínicos detetados por estas novas tecnologias permanece controversa, pois o benefício da terapêutica anticoagulante nesta população ainda não está bem estabelecido.

Vários ensaios clínicos publicados nos últimos anos sugerem que o risco tromboembólico individual é condicionado não apenas pelo Score CHA2DS2-VASc, mas também pela carga arrítmica (ou seja, a quantidade ou percentagem de tempo passado em arritmia – “AF Burden”). Consideremos alguns exemplos de estudos na Fibrilhação Auricular subclínica

– Na subanálise do Estudo ASSERT, que monitorizou a presença de fibrilhação auricular subclínica em doentes portadores de pacemaker, apenas episódios com duração superior a 24 horas aumentaram de forma importante o risco embólico;

– No Estudo LOOP, a implantação de um registador de eventos a uma população de alto risco (Score CHA2DS2-VASc médio de 4) permitiu detetar fibrilhação auricular em 30% dos doentes durante um seguimento médio de 64 meses, onde a ACO não reduziu os eventos tromboembólicos.

– No recentemente publicado NOAH-AFNET 6, também em doentes portadores de dispositivos implantados (pacemakers, CDI e registadores de eventos) com episódios de fibrilhação auricular com duração média de 2,8 horas (mínimo de 6 minutos) e Score CHA2DS2-VASc ≥2, a anticoagulação oral revelou-se ineficaz vs placebo, tendo o estudo sido interrompido , por futillity – ou seja não se viu benefício.

Estes estudos sugerem que uma baixa “carga” de fibrilhação auricular contribui para um risco embólico menor, e que tão importante como a deteção de FA, seja a quantificação da carga arrítmica. São estudos importantes, pois reforçam a importância da “AF Burden” como fator de risco embólico e como endpoint importante nas estratégias de controlo de ritmo como a ablação de fibrilhação auricular, que em múltiplos ensaios evidenciou reduzir de forma pronunciada este parâmetro.

Foram, todavia, ensaios clínicos realizados em pacientes com dispositivos implantados e que envolveram, portanto, uma população restrita.

Por outro lado, uma época como a que vivemos, de grande entusiasmo pelos novos dispositivos móveis com capacidade de monitorizar o ritmo cardíaco, vem permitir equacionar no futuro a utilização deste tipo de tecnologias para monitorizar a carga arrítmica, o que envolverá necessariamente a adesão dos doentes a uma monitorização continuada e regular, bem como a necessidade de algum grau de literacia digital, tornando o doente num agente ativo na prevenção da doença cardiovascular.

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