Cerca de 40% dos doentes não têm a asma controlada

Na perspetiva da coordenadora da Comissão de Alergologia Respiratória da Sociedade Portuguesa de Pneumologia “a educação do doente é essencial para melhorar a adesão à terapêutica”.

Quais são as principais preocupações da Sociedade Portuguesa de Pneumologia (SPP) relativamente aos doentes com asma no atual contexto de pandemia?

Dra. Rita Gerardo – Não divergem muito das que existiam antes da pandemia: manter a asma controlada. Não existe, até ao momento, evidência de os doentes com asma apresentarem maior risco de contrair a doença. Ressalva-se, no entanto, que a infeção por SARS-CoV-2 num doente com asma não controlada poderá apresentar uma evolução clínica mais grave ou de mais difícil resolução.

Para manter a asma controlada, o doente deverá cumprir a medicação prescrita pelo seu médico assistente e estar atento ao surgimento de sintomas (dispneia, pieira, tosse, sensação de opressão torácica) não controlados pela medicação habitual. Nessa situação, a medicação deverá ser otimizada: quer pelas indicações do plano de ação escrito da asma quer, na ausência deste, pelo contacto com o seu médico.

Apesar de alguns receios iniciais, não está demonstrado maior risco de contrair a Covid-19 em doentes sob corticoterapia inalada ou sistémica, pelo que esta terapêutica deverá ser mantida. Não obstante a necessidade de corticoterapia sistémica denotar a presença de asma grave ou de difícil controlo, logo, doentes com necessidade de contacto mais próximo e mais frequente.

Os doentes com asma, à semelhança da restante população, deverão adotar as medidas indicadas pela Direção-Geral da Saúde no que concerne à prevenção da infeção: permanecer em casa, usar máscara de proteção nas saídas até locais com maior aglomeração de pessoas, lavar/desinfetar frequentemente as mãos, não tocar na boca, nariz ou olhos, nem na máscara, adotar medidas de etiqueta respiratória.

Que mensagens-chave gostaria de deixar aos seus colegas, nomeadamente aos médicos de família, num momento em que os doentes crónicos podem correr o risco de ficar em segundo plano pela premência de lutar contra a pandemia?

O doente com asma deverá manter o seguimento habitual e regular com o objetivo de manter a sua doença controlada.

Se, neste momento, não são possíveis as consultas presenciais, a teleconsulta é uma boa alternativa. Os cuidados de saúde primários (CSP) têm vindo a organizar-se, desde o início da pandemia, pelo que atualmente é possível manter a consulta dos doentes crónicos, mesmo que não presencialmente.

Até ao momento, devem evitar-se idas ao hospitais/CSP. No entanto, perante casos agudos ou de agudização, os doentes deverão poder aceder facilmente aos cuidados médicos.

Estima-se que cerca de 40% dos doentes não estão controlados. Isso implica maior risco para estes doentes num contexto dito “normal”? E no contexto atual?

A presença de asma não controlada aumenta o risco futuro de desenvolver agudizações, obstrução fixa da via aérea e de efeitos adversos da medicação. Um dos fatores desencadeantes de agudizações são as infeções, nomeadamente as provocadas por vírus.

O nível de controlo dos sintomas deve ser avaliado em todas as oportunidades. Dadas as características clínicas da asma, com sintomas que variam em intensidade e ao longo do tempo, o nível de controlo avaliado pelo doente, de forma subjetiva, poderá ser interpretado de forma errada. Dentro dos cerca de 40% de doentes com asma não controlada, até aproximadamente 88% consideravam ter a sua doença controlada, de acordo com o Inquérito Nacional de Controlo da Asma. Estes números são preocupantes, uma vez que, mostram desconhecimento e/ou deficiente perceção dos objetivos em relação ao tratamento da asma.

No contexto atual de pandemia e dado o maior risco de agudizações, nomeadamente desencadeadas por infeções virais, o nível de controlo da asma deverá ser sempre avaliado, quer pelo doente quer pelo seu médico assistente.

O que é preciso fazer para diminuir o número de doentes não controlados e as exacerbações?

A percentagem de doentes não controlados e de agudizações da asma é elevada no nosso país, como no resto do mundo. Os valores nacionais e internacionais são relativamente sobreponíveis.

Obter o controlo da asma é um dos grandes, senão o maior, desafio do tratamento da asma desde há muitos anos. Existem inúmeras causas para o baixo nível de controlo da doença, nomeadamente, o incumprimento terapêutico, tratamento prescrito subótimo, má técnica inalatória, má função respiratória e exposição a fatores ambientais nocivos como o tabagismo. Também a presença de comorbilidades pode dificultar a obtenção do controlo. Assim, a educação do doente é essencial para melhorar a adesão à terapêutica.

A má adesão pode ter várias causas, intencionais e não intencionais. A dificuldade em utilizar o dispositivo inalatório, quer por desconhecimento quer por dificuldade motora, a utilização de vários dispositivos diferentes e várias tomas diárias, o esquecimento e a ausência de rotina diária são algumas das causas não intencionais. Nas causas intencionais incluem-se a ideia de que o tratamento não é necessário, a negação da doença, expectativas inapropriadas, preocupações relativas aos efeitos adversos (existentes ou temidas), questões culturais, ideias preconcebidas e o custo.

Quais são os objetivos e o envolvimento da SPP no Projeto CAPA – Cuidados Adequados à Pessoa com Asma?

Um dos grandes objetivos do projeto CAPA é a obtenção do controlo da asma diminuindo, em grande escala, a necessidade de medicação de alívio. Para além disso, pretende diminuir a utilização de medicação broncodilatadora de curta duração de ação (short acting beta2 agonists – SABA), substituindo-a por associações com broncodilatador de longa duração de ação e corticoide inalado (LABA+ICS) para uso no alívio.

A SPP pretende, assim, contribuir educando e informando os doentes e as diferentes classes de profissionais de saúde que contactam com estes doentes para a problemática de sobreutilização de SABA. O uso excessivo de SABA está associado a aumento da mortalidade por asma. O tratamento dos sintomas responde à medicação broncodilatadora; no entanto, fica por tratar a inflamação da via aérea, a qual é a base da doença.

Relativamente ao tratamento da asma, quais têm sido os avanços mais significativos registados neste domínio?

Nos últimos anos, o tratamento da asma sofreu algumas alterações e inovações. Um dos mais significativos foi a alteração nas linhas de orientação, nacionais e internacionais, da medicação de alívio. Atualmente defende-se o recurso à associação broncodilatador de longa duração de ação com corticoide inalado (LABA+ICS).

Vários estudos demonstraram não inferioridade ou até benefício em termos de outcomes no tratamento da asma quando é utilizada a associação LABA+ICS em comparação com SABA.

Também o tratamento de controlo dos degraus 1 e 2 das linhas de orientação GINA – Global Initiative for Asthma – sofreu alterações. Atualmente, recomenda-se o uso, quando necessário, da associação LABA+ICS no degrau 1 ao invés das recomendações anteriores que sugeriam o recurso apenas a SABA. No degrau 2, também pode ser usada, quando necessária, a associação LABA+ICS ou então baixa dose de ICS diária.

Relativamente ao tratamento da asma grave, têm surgido novos fármacos biológicos que utilizam anticorpos monoclonais dirigidos contra alguns dos elementos essenciais na inflamação da asma. Estes novos tratamentos apresentam elevada eficácia, nomeadamente, na redução do número de exacerbações nos doentes com asma grave e, em alguns, na redução da dose de corticoterapia.

AO

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