9 Nov, 2021

Anestesia sustentável começa a dar os primeiros passos em Portugal, mas “há um longo caminho a percorrer”

Alguns centros hospitalares e clínicas veterinárias estão a apostar em materiais recicláveis e técnicas que permitem, por exemplo, reaproveitar os gases anestésicos.

O lixo anestésico produzido por dezenas de milhares de cirurgias feitas em Portugal todos os anos tem um grande impacto sobre o ambiente. Para combater esta realidade, alguns centros hospitalares e clínicas veterinárias estão a apostar em materiais recicláveis e técnicas que permitem, por exemplo, reaproveitar os gases anestésicos. No entanto, como admite a anestesiologista Susana Vargas, “ainda há um longo caminho a percorrer”.

“Podemos contribuir para amenizar o dano que fazemos ao planeta. Ainda estamos bastante atrasados, mas já começamos a fazer alguma coisa”, diz a médica, que dirige o bloco operatório do Hospital de São João. À medida que cresce a preocupação com o problema ambiental provocado pelas anestesias (inclusive entre as administrações hospitalares), vão surgindo as primeiras mudanças.

Durante muitos anos foram utilizadas, nos blocos operatórios, batas descartáveis. No entanto, essa realidade está a alterar-se no São João. “Estamos a voltar ao uso das batas reutilizáveis, que são muito mais benéficas para o meio ambiente – para além de permitir gerar poupança ao sistema”, exemplifica Susana Vargas.

A preocupação dirige-se também para os gases anestésicos, com alguns hospitais em Portugal, embora poucos, a reaproveitarem estes gases, evitando o desperdício para a atmosfera.

Estima-se que cerca de 30 a 70% do lixo hospitalar seja constituído por elementos descartáveis usados nas anestesias. “Temos de repensar os processos, não só reduzindo os consumíveis, mas criando uma política em relação aos recursos, de modo a não os esgotar, reutilizando alguns materiais, por exemplo. Isto desde que não se comprometa a biossegurança”, diz o médico veterinário Bruno Tavares.

O diretor clínico da Clínica Veterinária Boa Nova aponta, por exemplo, um procedimento, feito nesta instituição, através da monitorização anestésica por eletroencefalograma (com a tecnologia Bispectral), que permite “ter a noção exata do plano anestésico em que o paciente se encontra e a sensibilidade do seu sistema nervoso central aos anestésicos”, ajudando a calcular a quantidade de anestésico de quem precisa que o animal necessita.

Na medicina veterinária, tal como na humana, o crescimento do número de anestesias tem sido exponencial, registando-se um crescimento “muito acima do esperado nos últimos dez anos”. “Temos de pensar que as próximas gerações dependem dos processos que possamos implementar hoje”, afirma.

 

O impacto da anestesia no ambiente: um tema pouco explorado

Um grupo de alunas da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Lusófona fez uma recolha de informação sobre o panorama da anestesia sustentável na medicina humana e veterinária. De um total de 3790 artigos inscritos nas plataformas de medicina sobre este tema, apenas 31 se debruçam sobre o impacto da anestesia no ambiente, sendo que só dois focam a medicina veterinária (sobre gases). Os restantes 29, referentes à medicina humana, abordam os perigos dos plásticos.

O trabalho sublinha o desperdício de plástico e material descartável usado em procedimentos cirúrgicos e anestésicos, como por exemplo as embalagens de seringas, agulhas e cateteres. Nos Estados Unidos da América estima-se que os blocos operatórios contribuam com 30% do plástico gasto nos hospitais anualmente.

No entanto, o impacto do setor da saúde do ambiente vai muito para além da área da anestesiologia. A utilização de energia é o segundo maior contribuinte para a pegada de carbono do sistema de saúde, através do aquecimento, ventilação, ar condicionado, esterilização, equipamentos, preparação de alimentos, e iluminação.

Outro tema abordado na questão da sustentabilidade é o desperdício de fármacos. A necessidade de preparação de fármacos para emergências em cirurgias leva a que 20 a 50% destas medicações sejam desperdiçadas – um problema que poderia ser resolvido através da pré-preparação de fármacos de acordo com a dose expetável.

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