Incontinência urinária. “A mulher deve procurar o urologista para reduzir o risco de progressão” da doença
Em entrevista, o urologista do Hospital de Santo António e professor do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS) aborda o estado da arte do tratamento da IU de esforço e de urgência, apontando a terapia genética como “promissora” num futuro próximo.
Foto: Just News
Considerando que a etiologia da IU é vasta, que desafios se colocam ao tratamento destes doentes?
A etiologia da IU é efetivamente vasta. São várias as causas para perda involuntária de urina, sendo que há duas particularmente comuns: a IU de esforço e a IU de urgência. A primeira está relacionada com disfunções do pavimento pélvico, nomeadamente com a diminuição da força muscular pélvica, associada à diminuição do tónus esfincteriano. A segunda resulta de disfunção da bexiga, que apresenta contrações involuntárias. É aquilo a que chamamos de bexiga hiperativa – carateriza-se por uma vontade súbita de urinar, que nem sempre está associada a incontinência, porque, no fundo, o espetro vai desde uma urgência sentida esporadicamente em que não há perda de urina, para aquela mulher que tem de urinar muitas vezes e que de cada vez que sente urgência perde urina.
Além disso, existem situações de IU de esforço e de urgência associadas a outras disfunções do pavimento pélvico, nomeadamente prolapso, o que sugere que temos de fazer uma abordagem específica para cada doente e para o grau de severidade da IU diagnosticada.
Há outros tipos de IU menos prevalentes, mas que colocam desafios particulares ao nível da terapêutica, como a IU contínua e a IU por extravasamento. A primeira é muito comum em alguns países africanos, e carateriza-se pela ocorrência de fístulas da bexiga para a vagina. Já a segunda, ocorre quando a bexiga não consegue esvaziar-se por completo e gradualmente fica cheia de urina residual. Isto acontece principalmente nos casos de aumento da próstata que conduzem à obstrução da saída da bexiga.
Qual é então o estado da arte no tratamento destas situações?
Cingindo-me à IU no feminino e concretamente à IU de esforço, há medidas comportamentais que podem ser adotadas que são importantes neste contexto. Desde logo a perda de peso ponderal, na medida em que o excesso de peso e obesidade são fator de risco para IU. Nas mulheres mais jovens e com IU ligeiras (fases mais precoces), a reabilitação do pavimento pélvico com fisioterapia pode ser muito eficaz. Há mulheres que, no pós-parto, perdem alguma urina, mas depois recuperam, e passado cinco ou dez anos continuam jovens, mas voltam a ter queixas de perda de urina. Nessa fase, a reabilitação é muito eficaz para recuperar a continência.
Numa IU de esforço pura, num grau mais avançado, a cirurgia de colocação de banda suburetral, como reforço do pavimento pélvico, é o tratamento mais eficaz.
Também na IU de urgência, as alterações de estilo de vida ajudam e, mais uma vez, a perda de peso reveste-se de importância. Quando associada a doença metabólica, como a diabetes, o controlo das glicemias é fundamental. Assim como o exercício físico e a dieta, porque sabemos que as bebidas gaseificadas e/ou o café aumentam o risco de incontinência. Portanto, há algumas medidas comportamentais que podem ser adotadas para prevenir a IU de urgência.
Também a reabilitação do pavimento pélvico – embora mais dirigida para a IU de esforço – parece melhorar a IU de urgência, porque quando as mulheres têm um pavimento pélvico com maior tonicidade conseguem inibir as contrações involuntárias da bexiga com mais facilidade e, consequentemente, melhorar a componente de urgência.
Ao nosso dispor, numa fase posterior, temos fármacos que permitem tratar a IU de urgência com sucesso, na medida em que reduzem quer o número de contrações da bexiga, quer a intensidade dessas contrações, diminuindo significativamente os episódios e aumentando o tempo entre micções.
Quando estes fármacos por via oral já não funcionam, há outras soluções. Nomeadamente, fármacos por via intravesical, como a toxina botulínica, que é muito eficaz neste contexto. O tratamento cirúrgico por neuromodulação também é uma alternativa nestes casos.
Podemos dizer que atualmente dispomos de um armamentário terapêutico grande para tratar estas mulheres, ajustando sempre o tratamento à pessoa e às queixas que temos à nossa frente.
De salientar, ainda, que existem casos de IU mista (esforço e urgência) ou IU associadas a prolapsos, que colocam um desafio acrescido, implicando, à cabeça, uma identificação da componente dominante, para tratamento a priori.
Quando é que a mulher deve procurar o urologista?
Idealmente, quando aparecem os primeiros sinais de IU e estes começam a ter algum impacto na sua qualidade de vida. Apesar de haver muitas soluções terapêuticas, os tratamentos são mais simples nas fases mais precoces. As alterações do estilo de vida, por exemplo, têm um efeito preventivo, pelo que, além de ser possível melhorar os sintomas nesta fase, é possível prevenir de alguma forma o seu agravamento.
A mulher deve procurar o especialista nessa fase para poder avaliar, medicar/ajustar medicação e reduzir o risco de progressão da doença.
Qual a realidade da IU no masculino?
Nos homens, a IU de esforço é bastante rara, sendo que quando existe está associada a lesões iatrogénicas, como cirurgias pélvicas, por exemplo.
No caso da IU de urgência, embora a prevalência de bexiga hiperactiva seja semelhante entre homens e mulheres, a prevalência da incontinência de urgência é maior na mulher. Mesmo assim, ainda existe e está associada a outros sintomas do aparelho urinário baixo, nomeadamente sintomas relacionados com a próstata.
O conhecimento da IU masculina melhorou recentemente e hoje temos soluções mais seguras para tratar os homens com IU de urgência. Está também documentado que o impacto psicológico e social da IU no homem é mais devastador do que na mulher, pelo que é preciso estar atento a situações depressivas, que se resolvem com o tratamento da IU.
Que novidades terapêuticas há na calha, neste contexto?
Há uma nova classe terapêutica que pode ser útil na IU de urgência e que penso que, nos próximos dois anos, poderá receber a aprovação e estar disponível no mercado.
Neste momento, há vários medicamentos a serem testados para a IU de urgência.
Há, igualmente, técnicas de medicina genética em desenvolvimento, as quais permitem introduzir, a nível local, genes que conseguem reduzir o risco de IU de urgência, o que é promissor.
SO