7 Nov, 2024

“A implementação de um registo nacional de doenças imunomediadas com expressão cutânea é um passo crucial”

Presidente da SPDV, diretor do Serviço de Dermatologia da ULS Santa Maria e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, Paulo Filipe fala sobre a edição deste congresso nacional e do mandato da atual Direção da SPDV, à qual preside, e que vai terminar no final deste ano. A implementação de um registo nacional de doenças imunomediadas com expressão cutânea, que vai entrar, brevemente, em fase de testes, é um dos projetos desenvolvidos.

Estamos no 23.º Congresso Nacional de Dermatologia e Venereologia. Quais são os temas mais inovadores ou relevantes que vão ser discutidos este ano?
Neste congresso, será abordado um vasto leque de temas que refletem os avanços mais recentes e as preocupações emergentes na Dermatologia. A inovação tecnológica, a medicina personalizada, bem como os novos tratamentos para patologias dermatológicas complexas, serão tópicos centrais. Teremos simpósios organizados pelos grupos de trabalho da SPDV: psoríase e cirurgia dermatológica. Além disso, a sustentabilidade em medicina, terá também um destaque especial. Para falar deste tema contamos com a presença do Sr. Bastonário da Ordem dos Médicos, Dr. Carlos Cortes, a quem aproveito para deixar um agradecimento público. É uma participação que honra a SPDV e o seu congresso nacional.

 

Em relação ao estado atual da Dermatologia em Portugal, que desafios específicos serão abordados no congresso?
A Dermatologia em Portugal enfrenta diversos desafios, desde o acesso equitativo aos cuidados especializados em todas as regiões do país até à necessidade de integrar novas tecnologias e práticas sustentáveis nos cuidados de saúde. Haverá um curso intitulado “Derma AI-ferramentas práticas para a medicina moderna”, ministrado pelo Prof. Rogério Canhoto, engenheiro eletrotécnico no ramo de sistemas e computação, que considero um marco importante para a prática dermatológica moderna.

 

Como é habitual, vai realizar-se o simpósio luso-espanhol AEDV/SPDV. Que assuntos vão ser abordados?
O simpósio luso-espanhol é sempre um dos momentos mais simpáticos do congresso, reunindo especialistas dos dois países para discutir temas de interesse comum.

 

Qual o ponto de situação desta interação entre a SPDV e a sua congénere espanhola?
A relação entre a SPDV e a AEDV tem sido extremamente produtiva e enriquecedora para ambos os países. Temos vindo a fortalecer a colaboração, partilhando experiências e conhecimentos, o que contribui para um crescimento conjunto. O simpósio anual é apenas um exemplo desta cooperação. Lembro que este simpósio tem o equivalente no congresso espanhol de Dermatologia. A nossa proximidade geográfica facilita este intercâmbio de boas práticas e a criação de sinergias profissionais, humanas e académicas.

 

O bastonário da Ordem dos Médicos, Carlos Cortes, vai ser o orador da conferência com o tema “Sustentabilidade em Medicina”. Este é um assunto que tem vindo a ganhar cada vez mais relevância, especialmente no que diz respeito ao impacto ambiental das práticas médicas. De que forma a Dermatologia pode contribuir para uma medicina mais sustentável, tanto no uso de recursos como na adoção de práticas clínicas mais ecológicas?
A Dermatologia tem um papel fundamental na sustentabilidade da medicina, nomeadamente através da racionalização do uso de recursos, como materiais descartáveis, e na adoção de tratamentos que minimizem o impacto ambiental. O uso consciente de medicamentos e a redução de resíduos, como os derivados de biópsias e tratamentos cirúrgicos, são aspetos que podemos melhorar. Além disso, a implementação de tecnologias digitais para diagnósticos e consultas à distância pode ajudar a reduzir a pegada ecológica.

 

“La dermatología del futuro: innovación, tecnología y medicina personalizada” é outro tema abordado em conferência. Com os avanços rápidos na tecnologia e a crescente importância da medicina personalizada, quais são as inovações tecnológicas que, na sua opinião, terão o maior impacto na Dermatologia nos próximos anos? Como vê o papel do dermatologista a evoluir com essas mudanças?
Acredito que a inteligência artificial, a análise de big data e a teledermatologia terão um impacto significativo no futuro da nossa especialidade. A capacidade de personalizar tratamentos com base em características genéticas específicas dos doentes já está a ganhar terreno e será revolucionária no tratamento de doenças graves e/ou crónicas, como o melanoma maligno ou as doenças imunomediadas. O dermatologista passará a desempenhar um papel ainda mais interdisciplinar, sendo o elo entre a inovação tecnológica e terapêutica e a medicina humanizada. Nesse sentido teremos 5 simpósios satélites patrocinados por firmas farmacêuticas, cujos palestrantes são dermatologistas portugueses que nos vão trazer atualizações importantes neste campo dos chamados medicamentos biológicos.

 

Este seu mandato como presidente da SPDV vai terminar no final deste ano. Qual o balanço que faz? Como vê estes anos à frente da sociedade?
O balanço é extremamente positivo. Foram anos desafiantes, especialmente no período pós-pandemia, mas conseguimos adaptar-nos e continuar a promover o crescimento da SPDV. Orgulho-me de termos reforçado a digitalização da sociedade, facilitando o acesso à formação e à partilha de informações entre os nossos membros. Mas também promovendo a transição digital, garantindo maior eficiência e sustentabilidade nos eventos que organizamos. Esta mudança permitiu uma organização mais ágil e ecológica, mantendo a SPDV alinhada com as tendências tecnológicas e as expectativas de modernização da comunidade científica. Refiro-me por exemplo à substituição dos pósteres e programas em papel para o formato eletrónico.

Outro ponto que considero da maior relevância para a Dermatologia nacional é a implementação dum registo nacional de doenças imunomediadas com expressão cutânea.

Este é, sem dúvida, um passo crucial para a Dermatologia em Portugal. Este tipo de registo permite a recolha sistemática de dados sobre a prevalência, características clínicas e resposta ao tratamento destas patologias, facilitando a investigação e a personalização terapêutica. Além disso, ajuda a uniformizar os cuidados em todo o país e a identificar áreas onde há lacunas no diagnóstico e no tratamento, o que tem um impacto direto na qualidade de vida dos doentes e na eficiência dos serviços de saúde.

Este registo encontra-se em fase avançada de desenvolvimento esperando-se que esteja operacional em 2025. Prevemos entrar na fase de testes muito brevemente.

Lançámos também uma campanha nacional de sensibilização sob o lema “Será?” que visa chamar a atenção da população com doença cutânea para o facto inquestionável de que o dermatologista é o especialista da pele por excelência. É ele, melhor do que ninguém que tem acuidade diagnóstica e capacidade técnica para decidir e levar a cabo a melhor solução terapêutica no que respeita aos problemas dermatológicos. Não podemos perder de vista esta premissa se queremos ser bem-sucedidos na abordagem e solução desses problemas que aliás estão cada vez mais na ordem do dia.

 

Correspondeu às suas expectativas?
Sim, de muitas maneiras superou as minhas expectativas. Tive a honra de trabalhar com uma equipa dedicada e comprometida, o que nos permitiu alcançar resultados que talvez não fossem possíveis de outra forma. No entanto, sempre há espaço para melhorar.

 

Quais os principais desafios?
Um dos principais desafios foi a adaptação aos novos tempos. Para esse efeito criámos o grupo de estudo, reflexão e análise da inteligência artificial (IA) em Dermatologia. Promovemos uma mesa-redonda sobre o tema da utilização da IA em dermatologia, uma conferência e um curso teórico-prático sobre o tema. Também publicámos (eu e a secretária-geral Dra. Goreti Catorze) um artigo de opinião (inteligência artificial e dermatologia) na tribuna médica (jornal online da OM) e na revista da OM em versão mais curta. Além disso, procurámos garantir a sustentabilidade financeira da SPDV continuando a oferecer eventos de alta qualidade num cenário de crescentes custos, como foi o caso do 22.º Congresso de Lisboa em 2023, realizado na FMUL. Finalmente, e como última prioridade houve um esforço no sentido de manter os nossos membros motivados e envolvidos neste propósito coletivo de reforçar a união e qualidade da Dermatologia portuguesa. Dou como exemplo o apoio que demos à criação de uma subespecialidade de medicina estética para dermatologistas num esforço conjunto com a OM.

 

O que considera que ainda falta ser feito na Dermatologia em Portugal e que deixará para a próxima Direção/mandato?
Acredito que é essencial continuar a investir na formação e atualização contínua dos dermatologistas, especialmente em áreas emergentes como a dermatologia digital e a medicina personalizada. Além disso, há um trabalho a fazer para garantir que os cuidados dermatológicos de qualidade sejam acessíveis a todas as populações, em particular nas regiões mais periféricas do país. Acredito que a próxima Direção terá condições para continuar este trabalho com sucesso.

 

Sílvia Malheiro

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