“A Fisioterapia é um dos elementos centrais na reabilitação das pessoas que vivem com condição pós-covid”
Em entrevista, Vitor Hugo Azevedo, professor adjunto da Escola Superior de Saúde do Alcoitão e fisioterapeuta respiratório e intensivista da UCI 1 da ULS Lisboa Ocidental, fala do papel da Fisioterapia Respiratória na reabilitação de pessoas que vivem com condição pós-covid.

De que forma é que a covid-19 continua a impactar a prática de Fisioterapia e os pedidos de ajuda através de reabilitação?
A covid é uma patologia que teve um grande impacto na sociedade, quer a nível agudo, quer pelas consequências e limitações causadas pela condição pós-doença, definida como a presença de sintomas pós-fase aguda.
A Fisioterapia é um dos elementos centrais na reabilitação das pessoas que vivem com condição pós-covid. De ressalvar que os sintomas apresentados pelos doentes não são apenas físicos. Encontram-se descritos muitos outros do foro cognitivo, nomeadamente o brain fog.
Relativamente ao plano de reabilitação, este deve ser personalizado de acordo com a avaliação realizada, nomeadamente pela Fisioterapia, coincidindo com as limitações apresentadas pela pessoa. Não existe um modelo one size fits all para esta condição.
Assim, é fundamental a implementação de estratégias com equipas multidisciplinares que envolvam, para além dos fisioterapeutas, médicos, psicólogos e outros profissionais associados à reabilitação, como terapeutas ocupacionais e, em determinadas situações, terapeutas da fala.
“A reabilitação é fundamental para devolver às pessoas a sua capacidade funcional e autonomia.”
Quais são os principais sintomas físicos dos pacientes com condição pós-covid?
Entre os principais sintomas, a fadiga é descrita pelos doentes como uma sensação incapacitante e que não melhora após o descanso, impactando a rotina da pessoa de uma forma muito significativa.
Dor crónica e limitação da tolerância ao exercício são também sintomas mencionados, uma vez que a covid é uma doença que pode ter repercussões que não se limitam ao sistema respiratório, podendo afetar também a saúde cardiovascular e musculoesquelética. Existe uma associação de sintomas importantes e as respostas em reabilitação podem envolver várias intervenções, de acordo com a gravidade da doença.
Quando um doente passa mais tempo hospitalizado, poderá ter piores resultados, dado que irá apresentar um maior período de inatividade. No caso de pacientes que necessitem de, por exemplo, ser ventilados mecanicamente, ocorre um impacto relevante sobre a sua função física.
Quais as adaptações necessárias para casos de pacientes com comorbilidades pré-existentes?
No que diz respeito à personalização de tratamentos, o estado funcional anterior da pessoa tem um impacto muito grande. Não existe nenhuma intervenção que inclua apenas benefícios, sem qualquer tipo de contrapartida. Também para a condição pós-covid, este aspeto deverá ser refletido. Em casos de pessoas com comorbilidades prévias, é necessário ter em conta maiores critérios de segurança, nomeadamente a implementação de exercícios sob monitorização contínua de frequência cardíaca, de saturação periférica de oxigénio ou de pressão arterial.
Relativamente à fisioterapia respiratória, de que forma é que esta vertente é integrada no tratamento e quais são os benefícios?
Enquanto especialidade intrínseca à Fisioterapia, a Fisioterapia Respiratória é focada na otimização do sistema de transporte de oxigénio. A atuação destes profissionais incide na otimização da função pulmonar, na desobstrução das vias aéreas – quando existe, por exemplo, obstrução por secreções brônquicas -, e na otimização da ventilação.
Os fisioterapeutas respiratórios desempenham ainda um papel muito importante na implementação de estratégias que envolvem o recondicionamento e a otimização da aptidão cardiorrespiratória, nomeadamente através de treino aeróbico, de treino de força e de estratégias de educação.
A reabilitação e o papel da Fisioterapia devem contribuir para a educação dos utentes, de modo que interiorizem estratégias de autogestão que lhes permitam ser o mais autónomas possível na gestão de sintomas associados à condição pós-covid.
Como é feita a avaliação do progresso durante o decorrer do programa de reabilitação?
Depende sempre da dimensão que se encontra a ser avaliada. É realizada uma avaliação das várias dimensões da função física, nomeadamente a capacidade aeróbia, o condicionamento físico e a força muscular específica dos músculos apendiculares e respiratórios.
Além disso, acompanhamos a evolução da qualidade de vida e da autonomia funcional dos utentes, através da utilização regular de escalas e instrumentos.
“A reabilitação tem de se traduzir numa vida melhor, mais autónoma e numa perceção de competência mais clara por parte das pessoas que vivem com condição pós-covid-19.”
Quais os desafios relativos à reabilitação pós-covid?
De futuro, acredito que é necessário aprofundar o conhecimento científico relativamente a estratégias de intervenção que se revelaram eficazes para dar resposta às limitações apresentadas pelos doentes.
Esta investigação, capaz de guiar a prática clínica, deve ser realizada de uma forma colaborativa, englobando a produção de conhecimento científico e integrando as pessoas que vivem com esta condição.
“Só sabemos quais os resultados obtidos quando produzimos estudos que nos permitem dizê-lo concretamente, através do método científico e utilizando métricas válidas e adequadas.”
CG
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