5 Nov, 2020

“A APMGF não é ouvida. Temos de ter uma voz firme e defender soluções com afinco”

Em entrevista, o médico de família da USF Sales (em Évora) explica as razões que o levaram a encabeçar uma lista concorrente aos órgãos sociais da APMGF.

Em que pilares principais assenta a candidatura que encabeça, com a lista “Ser APMGF”?

Assenta em três eixos: uma direção e uns órgãos sociais inclusivos, participativos e inclusivos (queremos estar abertos a todos os sócios, independentemente do local onde exerçam, do grau da carreira).

O segundo ponto é termos uma associação com forte caráter científico, com grande aposta numa formação de qualidade e contínua ao longo da carreira. Queremos também fazer uma grande aposta na investigação, que temos de revitalizar.

O último eixo estratégico tem a ver com a qualidade e a segurança deste exercício. Isto prende-se com as tarefas que temos de fazer (sobretudo agora, no período de pandemia), a luta por um internato de qualidade e por uma carreira digna, o planeamento atempado de concursos, as condições de trabalho.

Mas esses últimos objetivos não passam só pela ação da APMGF.

É verdade mas a APMGF tem de ter um papel forte na defesa desses objetivos. Temos de continuar a insistir junto da tutela que precisamos de uma colocação adequada dos médicos de família, de uma programação adequada das vagas. As pessoas têm de saber com o que contam para não se sentirem desmotivadas. A atual direção da APMGF podia ter feito mais.

Que erros aponta à atual direção que o tenham motivado a encabeçar esta lista concorrente?

Temos de nos abrir mais à participação e ouvirmos os sócios. Não podemos achar que podemos ficar fechados dentro dos órgãos sociais. Por vezes, não temos noção do que as pessoas precisam e temos de as ouvir. Esta é uma divergência forte que temos com a atual direção.

A forma como organizamos os outros eventos tem de incluir uma forte aposta na componente online e na parte científica. Depois há ainda a questão da aposta na investigação, que não tem existido ao longo dos últimos anos.

Como se materializa essa aposta na investigação?

Materializa-se em bolsas, na fomentação de projetos científicos através dos associados, na conquista de apoios no tratamento cientifico de dados, na criação de estudos multicêntricos através da rede da APMGF.

Que medidas pretendem defender junta da tutela se forem eleitos?

Nesta época de pandemia, temos de fazer a tutela perceber que os médicos de família estão assoberbados de tarefas burocráticas e administrativas que lhe retiram capacidade assistencial. É preciso alterar a forma como são feitas as vigilâncias do Trace Covid, por exemplo.

Depois temos a questão da gestão das vagas de internato. Não é expectável que coloquemos as pessoas a fazer o internato num determinado local, as empurremos todas para um sítio e, quando acaba o internato, sem lhes dar condições para tal, queiramos que eles vão para um sítio completamente diferente já com a sua vida organizada. A preparação das vagas tem de ser feita com mais ponderação, tendo em conta as necessidades de cada ACES.

Como avalia a comunicação que a APMGF tem promovido ao longo dos anos?

A parte da comunicação com os sócios pode evoluir muito. Seria interessante aumentar a aposta no online. Quanto à comunicação com o exterior, tem havido uma perda de peso da APMGF. Se não apresentarmos medidas e soluções concretas, e se não as defendermos afincadamente, o poder da mensagem é curto.

O que o leva a dizer que a APMGF tem perdido peso?

Porque não está representada em todas as decisões que são tomadas, porque não é ouvida na discussão dos mapas de vagas, por exemplo. Na questão da pandemia, fomos ouvidos esporadicamente na elaboração das normas da DGS. No entanto, pedimos uma audiência à Ministra da Saúde em setembro, estamos no final de outubro e ainda não fomos recebidos. Isto quer dizer que o peso que deveríamos ter e que a voz que deveríamos emprestar a todos os nossos associados não existe. Temos de ter uma voz firme.

Como olha para os desafios que a MGF tem pela frente nos próximos anos?

Os desafios são múltiplos. Desde logo, temos a questão do envelhecimento da população, que deverá aumentar a carga assistencial. Temos também a necessidade de reajustar a lista de utentes (algo que, entretanto, desapareceu do mapa e que precisa de ser novamente trazido à baila).

Mas como é possível reduzir as listas se temos centenas de milhares de doentes a descoberto (já mais de um milhão)?

Há muitos doentes a descoberto. No entanto, temos muitos colegas que acabam por não escolher as vagas à sua disposição no concurso – isto é um problema que deveria preocupar a tutela. É verdade que temos um défice de médicos de família, estamos só agora a entrar no pico das reformas dos médicos de família. Temos centenas de internos a formarem-se todos os anos e estamos a acabar o período-janela que nos permitia começar a corrigir o problema das listas gigantes que impedem que as pessoas se sintam confortáveis nos cuidados que prestam aos doentes.

Outro desafio é a questão da carreira. Nós acabamos o internato, entramos para a carreira e ali ficamos. A perspetiva de evolução e diferenciação socio-profissional é muito reduzida.

TC/SO

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