Lápis azul: Mais do mesmo?
Os governos e os ministérios da saúde em particular gostam de, pelo menos no início das legislaturas, anunciar que, como é regra em Portugal, tudo quanto se conseguiu foi mau e o que se vai seguir será bom.
Nos últimos anos até o glossário foi enriquecido com expressões como “reversão” ou “andar para trás”.
Um dos casos mais claros e sonoros foi o da promessa de – no âmbito do Serviço Nacional de Saúde (SNS) – cobrir o país de unidades de saúde familiar (USF) e atribuir um médico de família a cada cidadão até setembro ou outubro de 2019.
Na verdade, o que se viu, ou o que se vê, contraria os anúncios e o marasmo instalado nos Cuidados Primários é assustador.
Dir-se-ia que, à luz dos diabos ou dos demónios, contra todos os oráculos e preceitos divinatórios, aguentou-se melhor a geringonça do que o SNS…
O país e os contribuintes não percebem como se formam a cada ano mais médicos, como a cada ano se desperdiçam mais jovens médicos a quem já nem o Estado pode garantir um acesso à especialidade, como prossegue a saga da emigração qualificada e com elevada procura externa.
E o país e os contribuintes nem imaginam quanto custa ao Orçamento e às ARS a formação profissional e científica de um médico primeiro e depois de um médico especialista!
E o país e os profissionais de saúde não entendem como o sector privado cresce, (no qual exerço diga-se em nome da transparência), contrata e assegura jovens quadros e o SNS definha, as USF modelo A navegam num oceano de águas paradas com muitas a aguardar, sem explicação nem vergonha, a passagem legalmente prevista a modelo B, as USF modelo B entretidas ou enroladas em burocracias sem fim e as UCSP sem apoios, sem futuro e sem estratégia, parentes pobres duma Reforma que perpetua as iniquidades, para dentro e para fora.
E finalmente o país, os cidadãos e os profissionais não beneficiaram de qualquer resultado em relação à política de abertura de concursos que, em nome de que não sei que visão, fez com que nos últimos anos se procurasse obrigar os jovens médicos a ocupar vagas nos antípodas, sem proporcionar ou permitir, pelo menos, resolver e fechar outras regiões com maior capacidade, esforço e investimento na formação, como o caso da ARS Norte!
Já devemos ter ultrapassado o milhão de portugueses sem médico de família.
E o cenário que se avizinha é pior ainda, com mais médicos a saírem, nomeadamente por aposentação, do que a entrar. Só este ano, em 2018, o saldo será negativo em talvez 120 ou 130 médicos, o que a 1600 ou 1700 utentes por cada, significará mais 200 000 cidadãos a perderem médico de família!
Sem que saibamos por outro lado, como ou quando se vai acautelar a contratação de centenas de médicos de família para cobrir o país exclusivamente em relação às outras centenas de médicos que já em 2019 e depois em 2020 irão esgotar-se no “tempo de validade profissional”…
Um ministério da saúde que diz ter uma administração central de sistemas de saúde (ACSS) como braço direito (e esquerdo, tal a fragilidade e incapacidade das Administrações Regionais) bem precisava de começar por se organizar interna e organicamente antes de fazer promessas.
E talvez, dado o passado da actual titular [da pasta da Saúde] com passagem pela ACSS, começar por reformar este instituto público adequando-a a uma estratégia nacional que pudesse ser no tempo mais duradoura e voltada para as necessidades futuras de um país que, não sendo só Lisboa como o povo diz, também pudesse resolver o que ninguém compreende: como é possível que seja na região da Grande Lisboa que as carências em médicos de família continuam a ser as maiores do país???
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