Cancro da mama. “O alargamento para os 45 anos é fundamental, mas não suficiente”
O cancro da mama continua a ser uma preocupação, segundo Emília Vieira, Presidente da Associação Amigas do Peito. A também cirurgiã realça que, apesar das inovações terapêuticas e do rastreio a partir dos 45 anos, ainda é preciso apostar na literacia.

Qual a realidade atual do cancro da mama em Portugal?
O cancro da mama é o mais frequente nas mulheres em Portugal. Todos os dias, em média, são diagnosticados 13 novos casos e quatro mulheres perdem a vida. Estes números refletem não só a dimensão da doença, mas também a necessidade urgente de investir em prevenção, diagnóstico precoce e acompanhamento integral, tanto do ponto de vista clínico como humano.
Há mais que um tipo de cancro da mama. Qual o que mais vos preocupa?
Existem vários subtipos de cancro da mama, com características e prognósticos distintos. Os que são de maior preocupação são os mais agressivos, que têm progressão rápida, como o triplo negativo, muitas vezes diagnosticado em mulheres mais jovens e que exige abordagens terapêuticas mais intensas. Estes casos reforçam a importância do diagnóstico precoce e da investigação contínua em novos tratamentos.
Por que razão há cada vez mais casos de cancro da mama em mulheres mais jovens?
Os estilos de vida modernos têm um peso importante: hábitos alimentares menos saudáveis, obesidade, sedentarismo, consumo de álcool e tabaco. Também a primeira gravidez, cada vez mais tardia, e a ausência de amamentação são fatores de relevância. Para além disso, há o papel das mutações genéticas. O desafio é que o impacto emocional e social é maior, já que muitas destas mulheres estão a iniciar carreiras, a formar famílias ou a viver projetos pessoais que ficam subitamente interrompidos.
“O cancro da mama nos homens representa cerca de 1% dos casos. É pouco frequente, mas real. O problema é o subdiagnóstico”
O início do rastreio aos 45 anos poderá vir a mudar esta realidade daqui a uns anos ou são necessárias mais medidas complementares?
O alargamento do rastreio para os 45 anos é um passo fundamental, porque permite identificar mais cedo casos em mulheres que já estão em risco. Mas não é suficiente. É preciso apostar em mais informação junto da população, incentivar hábitos de vida saudáveis e, sobretudo, adaptar a vigilância aos fatores de risco individuais, incluindo histórico familiar. A literacia em saúde é uma ferramenta poderosa e ainda pouco explorada.
Nos homens, qual a prevalência? Ainda é subdiagnosticado?
O cancro da mama nos homens representa cerca de 1% dos casos. É pouco frequente, mas real. O problema é o subdiagnóstico. Por falta de informação, muitos homens não se imaginam como potenciais doentes e tendem a desvalorizar sinais precoces. Isso atrasa o diagnóstico e dificulta o tratamento. Por este motivo, é importante falar sobre este tema, para quebrar estigmas e aumentar a vigilância também no sexo masculino.
Em termos de tratamento, como avalia os avanços nos últimos anos?
Os avanços têm sido notáveis, sobretudo na personalização das terapias. Hoje conseguimos identificar subtipos de cancro e ajustar o tratamento ao perfil biológico do tumor. Há novas terapias alvo, imunoterapia e processos cirúrgicos e reconstrutivos que melhoram não só a sobrevivência, mas também a qualidade de vida. Apesar disso, o impacto da doença ainda é enorme, e, por isso, é fundamental complementar os progressos médicos com apoio psicológico e social.
“… mudou a forma como comunico com os doentes, como os escuto e como adapto os tratamentos à vida de cada pessoa”
A Amigas do Peito dá apoio a doentes e familiares. Quais são os vossos projetos?
Temos várias áreas de atuação. Destaco as Casas de Acolhimento, que oferecem alojamento gratuito e digno a doentes deslocadas em tratamento, vindos de todas as partes de Portugal e provenientes de países PALOP; o apoio psicológico e emocional, através de consultas e grupos de entreajuda; os projetos de sensibilização e campanhas públicas para a prevenção e o diagnóstico precoce; e ainda os rastreios gratuitos em empresas e comunidades. Também apoiamos mulheres carenciadas na aquisição de próteses mamárias. Tudo isto complementa o tratamento hospitalar e promove um percurso mais humano e acompanhado.
Este tipo de associações acaba por ser mais um ponto-chave na humanização de cuidados. Que desafios enfrentam?
Associações como a nossa trazem calor humano, proximidade e soluções práticas que muitas vezes o sistema de saúde não consegue dar sozinho. O maior desafio é garantir recursos para manter e expandir os projetos, porque, muitas vezes, as necessidades são superiores à capacidade de resposta. É aqui que iniciativas como a Gala Solidária da Associação Amigas do Peito, que este ano decorre a 24 de outubro, na Aula Magna da Universidade de Lisboa, têm um papel determinante. Para além de ser um momento cultural e de sensibilização, a Gala permite-nos angariar fundos que asseguram a continuidade das Casas de Acolhimento, do apoio psicológico e social e das ações de rastreio e sensibilização. Ou seja, cada gesto de solidariedade naquela noite traduz-se diretamente em mais humanidade e mais respostas para quem enfrenta o cancro da mama.
É cirurgiã e está à frente da Associação. De que forma este trabalho associativo mudou a sua prática clínica?
Este trabalho deu-me uma perspetiva mais ampla e mais humana da doença. No hospital, vemos sobretudo a dimensão médica; na Associação convivemos com o impacto emocional, social e familiar. Isso mudou a forma como comunico com os doentes, como os escuto e como adapto os tratamentos à vida de cada pessoa. A medicina não pode ser apenas ciência, tem de ser também empatia e humanidade.
Maria João Garcia
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