Retinopatia diabética
Médico oftalmologista

Retinopatia diabética

A retinopatia diabética é a segunda causa de cegueira legal nos países industrializados, ficando apenas atrás da Degenerescência Macular Ligada à Idade (DMLI). Porém, se considerarmos a população entre os 20 e os 64 anos de idade, a RD é a primeira causa de cegueira na idade ativa.

Os estudos epidemiológicos relativos à prevalência da RD não são uniformes, pelo menos em parte, devido às diferentes amostras populacionais consideradas, pelo que os estudos são bastante heterogéneos. Mas, a título de exemplo, Yau et al. publicou uma estimativa global de RD, com base numa meta-análise em quatro continentes, que incluiu 22 896 participantes com diabetes (1980-2008). A prevalência global de diabetes foi de 34,6%, a de RD Proliferativa (RDP) de 7,0% e a de Edema Macular Diabético (EMD) de 6,8%.

Em Portugal não existem números precisos sobre a prevalência da RD em Portugal. A ARS Centro realizou um rastreio com duas retinografias, sem midríase, em 88.974 diabéticos, referenciados nos Centros de Saúde da Região Centro entre 2001 e 2010. Foi registada uma prevalência de EMD em 9% e 1,3% de RDP.

Mas será que em Portugal a resposta ao problema da RD é suficiente? Segundo um estudo dos Médicos Sentinela, em 2008, metade dos diabéticos já diagnosticados nunca foi ao oftalmologista e a RD foi a complicação da diabetes mais frequentemente identificada.

No entanto, essa lacuna poderia ser obviada caso houvesse um sistema de rastreio capaz de abranger os diabéticos nacionais e de identificar e priorizar os casos passíveis de referenciação para consulta de Oftalmologia. A resposta nacional, no seu todo, é ainda insuficiente. Na prática, e dado o elevado número de doentes, a resposta peca muitas vezes por tardia relativamente ao tempo ideal para início de tratamento.

Do ponto de vista da saúde pública, o rastreio de RD é uma das intervenções em saúde com melhor índice de custo-efetividade. A doença ocular diabética pode ser prevenida usando a tecnologia e os custos envolvidos que são significativamente menores do que o custo dos tratamentos. Por isso, o nosso esforço coletivo deverá ser no sentido de alargar a todos os diabéticos a realização e repetição periódica de rastreios. São penosos para o doente e para a sociedade as consequências das complicações tardias da RD que, não raramente, terminam em cegueira. Daí que é um imperativo de todo o sistema de saúde o constante aperfeiçoamento e melhoramento do programa de rastreio.

O papel da retinografia nestes rastreios

A retinografia não midriática é realizada sem a necessidade de instilação de fármaco midriático, pelo que é um método não invasivo, de fácil execução e bem tolerado pelo utente. Nas imagens não-estereoscópicas, o edema macular diabético (EMD) pode ser difícil e subjetivo, salvo se se identificarem exsudados duros dentro de um diâmetro de disco da fóvea (que constituem um sinal de edema macular recente ou em fase de reabsorção), daí que as imagens não estereoscópicas tenham baixa sensibilidade na deteção do edema.

No entanto, este exame tem evoluído muito ao longo dos anos, e é realizado de acordo com protocolos específicos e inclusive com possibilidade de aquisição estereoscópica, pelo que a retinografia continua a revestir-se de uma importância capital no rastreio e no acompanhamento do doente diabético.

Classicamente, o EMD era detetado na fundoscopia efetuada pelo oftalmologista na lâmpada de fenda. Atualmente, após o aparecimento da Tomografia de Coerência Ótica (OCT), um exame auxiliar muito sensível que deteta e quantifica o EMD, este paradigma está a mudar: o OCT é o exame chave para a deteção e tratamento do EMD.

A angiografia fluoresceínica (AF) é um exame mais antigo e invasivo (exige a administração de contraste endovenoso) que continua a ter importância no estudo de doentes com EMD, pois deteta a difusão microvascular de contraste e identifica áreas de isquemia. Durante décadas o tratamento Gold Standard do EMD foi a Laserterapia. Nos últimos anos, com o aparecimento das injeções intravítreas (IIV) com anti-VEGF e corticoides de libertação prolongada, o paradigma do tratamento do EMD mudou substancialmente.

No EMD central, as IIV de anti-VEGF são, atualmente, consideradas o tratamento de primeira linha em detrimento da fotocoagulação macular com LASER. Os anti-VEGF não apresentam os efeitos secundários da corticoterapia, nomeadamente aumento da pressão intraocular e aparecimento de catarata. Com as IIV de anti-VEGF e/ou corticoesteroides, os doentes passaram a ganhar visão. Contudo, a laserterapia poderá ter um papel importante na abordagem terapêutica do EMD a par dos novos tratamentos. A chamada terapêutica combinada consiste no tratamento LASER associado a IIV de anti-VEGF e/ou corticoides de forma a atuarem sinergicamente, potenciando dessa forma os seus efeitos terapêuticos.

Para além disso, no caso da retinopatia diabética (RDP),  o LASER continua a ser fundamental, devendo ser realizada, logo que possível, a fotocoagulação laser panretiniana (PRP), sendo esta ainda mais urgente, nos casos de RDP com critérios de alto risco.

O tratamento é essencial, porque as duas principais causas de diminuição da acuidade visual no doente com RD são o EMD e a segunda é o hemovítreo. Alguns hemovítreos, dependendo da situação clínica, poderão ter indicação para vitrectomia. O tratamento cirúrgico está indicado, portanto, nas formas avançadas, como algumas hemorragias, descolamento de retina tracional, EMD com tração vítreo-macular, etc. A cirurgia vítreo-retiniana tem tido um grande desenvolvimento nos últimos anos, o que tem perimido realizar intervenções mais precoces, rápidas e seguras.

Concluindo, o controlo da RD é complexo, daí que haverá vantagem no trabalho de equipa. A existência de equipas multidisciplinares, integrando diversas categorias profissionais – Medicina Geral e Familiar, Medicina Interna, Endocrinologia, Oftalmologia, Nutricionistas, Psicólogos, etc. –  é cada vez mais importante, dado que teremos de atuar em várias vertentes, como o rastreio, o diagnóstico, o tratamento e a monitorização. Naturalmente que o centro de gravidade dessas equipas será sempre o doente, que deverá ser motivado pelos diversos profissionais e suficientemente informado relativamente às diversas propostas clínicas que lhe são apresentadas.

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