O Paradoxo de Sakellarides
o SNS Português não só trucida ministros como trucida aqueles que querem fazer melhor e irem além do “aquilo que todos fazem”.
O Professor Sakellarides tem sido desde há mais de 20 anos uma das personagens mais reverenciadas do núcleo da Escola Nacional de Saúde Pública, verdadeiro núcleo de poder dominante na discussão sobre o nosso Sistema de Saúde que esnobeia todos os que estão fora do seu circulo íntimo, e sistematicamente promovido como Autoridade, nesta matéria, que todos devemos reverenciar.
Sakellarides é daquelas pessoas que apenas concebem como possível um Serviço Nacional de Saúde, inteiramente público. É um estatista. Profeta bem intencionado, há mais de 20 anos discorre sobre como Reformar o SNS , mas sempre dentro do Modelo 100% Publico.
Supostamente teria neste Governo das Esquerdas, e em António Costa que se candidatou em 2015 riscando com força linhas vermelhas em defesa dos Serviços Públicos e do SNS Público, e que até para bem o afirmar escolheu António Arnault para seu mandatário, todo o respaldo para a Implantação das suas ideias.
Saiu agora, desiludido, mas fazendo por se ouvir o estrondo da porta.
A sua entrevista ao DN, que alguém já considerou como o debate dos debates, é o verdadeiro testamento das suas ideias e ao mesmo tempo, sem que fosse essa a sua intenção ou disso se aperceba, ele e os seus fãs, a maior declaração do fracasso das mesmas.
E quais são estas:
Apesar de estatista é um feroz crítico do Modelo de Administração Pública. O mal para ele não está no modelo Público, está na Administração Tradicional e nos Políticos que a mantêm em vez de aderirem à sua “Revolução”.
O que defende então:
Defende um Modelo de SNS baseado no empreendedorismo dos líderes públicos locais. Ou seja, queria importar o modelo privado para o público. Mas para que este modelo baseado nos líderes públicos locais, pudesse resultar, era necessário que a Administração Tradicional, fosse substituída por “revolucionários” de confiança (aqueles que estão 100 % connosco e com a “revolução”) que dessem respaldo aos lideres locais, em vez de lhes atrapalhar a vida com coisas mesquinhas como as leis da Administração Pública e Financiamentos.
A sua preocupação não é com os profissionais que são quem presta os serviços, para quem deixa piedosas recomendações:
A remuneração tem importância, claro, mas está demonstrado que dentro de certos limites não é esse o principal fator que atrai as pessoas. O que as atrai é a qualidade do trabalho, o potencial de desenvolvimento pessoal e profissional que ele proporciona. Prestarem bons cuidados, investigarem e aprenderem com a experiência, ensinar aos mais jovens.
O foco dele está na Administração e nos Administradores. Quer revolucionar aquela e substituir estes.
“ Como é que a liderança local vai traçar o seu plano de vida no sentido de, com os recursos locais e nos timings possíveis conseguir fazer isto?” Isto faz parte de uma negociação e aprendizagem permanente. É fazer que os empreendedores públicos locais transformem o enquadramento geral de políticas feito centralmente em realidade. É isto o centro de uma governação moderna.
…
E volto a teimar: o empreendedorismo público local é essencial. Eu sei que esta é gente incómoda. São uns chatos. Rebelam-se contra a banalidade, contra o que não faz sentido, contra o ruído desnecessário, contra a posição formal dos chefes do statu quo. Têm outro grande defeito, têm opinião. Acham que é possível, apesar de tudo, inovar, não tentar resolver os problemas com a mesma a receita que os produziram. Se não conseguirmos mobilizar uma massa crítica de lideranças locais empenhadas, com um enquadramento político que lhes dê espaço, apoio e reconhecimento, não temos transformação. Isto entra pelos olhos adentro. Precisamos de dirigentes que percebam isto.
Sakellarides, centra toda a questão nos empreendedores públicos locais, mas sem identificar quem são nem quem ou como se lhes transmite a autoridade para o serem, nem quais os instrumentos à sua disposição. Serão os Directores Executivos dos ACES? Mas estes já existem. Então o que falhou? O que se propõe em concreto?
Isto faz parte de uma negociação e aprendizagem permanente-
Este é o eterno problema de Sakellarides. Diz coisas muito bonitas, mas quando se lhe pergunta como se concretiza foge sempre para respostas deste tipo.
O PARADOXO de Sakellarides é que ele anda há 20 anos nestas andanças, já tendo tido várias vezes posições de destaque na Administração, e no entanto confessa-nos o seu falhanço total em conseguir implementar aquilo que lhe foi pedido: Que implementasse as suas ideias.
Isto quando tinha atrás de si tinha supostamente o Governo Ideal para o apoiar.
Ou seja, ainda prega uma coisa de que ele é a maior demonstração de que não é possível acontecer.
Porque é intrínseco ao Sistema Público três coisas (que têm a haver com os interesses dos vários atores):
-Políticos que apenas querem ocasiões para cortarem fitas descansando todo o resto para cima da Administração. Administração que tem obviamente que ser de confiança e não de revolucionários.
-Uma Administração apenas preocupada com orçamentos e em que “não haja ondas”(exatamente o que se lhe pede). Que “administra” o status quo, mas não “gere” visando melhor serviço e eficiência.
-Profissionais dedicados mas que antes de mais têm os seus interesses pessoais a tratar e ao seu dispor instrumentos corporativos capazes de ameaçar a paz da Administração, sempre que aqueles sejam beliscados.
Neste contexto os tais empreendedores públicos locais acabam sempre trucidados: traídos pelos egoísmos dos profissionais que lideram e abandonados pela Administração que na hora da verdade assobia para o lado. Ondas é que não.
Manuel Antunes, na sua recente entrevista de despedida, apesar das condições únicas de que dispôs no “seu” serviço de cirurgia cardio-torácica de Coimbra, (primeiro Centro de Responsabilidade Integrada em que dispunha de total autonomia e boas remunerações para os profissionais) queixa-se do mesmo.
Ou seja, o SNS Português não só trucida ministros como trucida aqueles que querem fazer melhor e irem além do “aquilo que todos fazem”. Mesmo, como no Modelo B das USFs, o Estado põe muito dinheiro.
O ERRO DE Sakellarides é centrar toda a discussão no Modelo Público sem se lembrar que existem outros Modelos em que os próprios, sozinhos e às custas do seu investimento pessoal e financeiro, conseguem, sem esses dramas, muito mais do que se dependentes do estímulo artificial dos empreendedores públicos.
Chamo a atenção que existem na saúde sectores que se mostraram muito mais dinâmicos, eficientes e com melhor satisfação e acessibilidade e que não precisaram nem do Estado nem dos empreendedores públicos para chegarem aonde chegaram. Vejam os Meios Complementares de Diagnóstico, onde por exemplo nas Análises os doentes são atendidos no próprio dia, sem marcação prévia e têm o resultado por mail no próprio dia.
Mesmo as parcerias público privadas (com origem num Governo Socialista!- Afinal qual é a posição ideológica do PS na Saúde?) têm-se afirmado como muito positivas na qualidade, eficiência e satisfação dos utentes, e até ido mais longe na negociação e acordo com os sindicatos médicos que o Governo.
E no sector privado, mesmo aquele que trabalha no SNS ou em articulação com este, estes dramas não existem
O PECADO DE Sakellarides e o dos que com ele dominam o discurso público, é que com as suas promessas de amanhãs radiosos para o SNS público, sempre bloquearam outras soluções. Por exemplo, porque é que o Modelo C (Unidades de Saúde Familiares dos profissionais, contratualizadas com o SNS), que consta na mesma Lei da Reforma dos Cuidados de Saúde Primários, nunca saiu da gaveta?
NOTÍCIAS RECENTES
- Ministra avalia dificuldades na aquisição de vacinas pelas Unidades Locais de Saúde 17 de Abril, 2024
- Plano de saúde defende redimensionamento do Hospital das Caldas da Rainha 17 de Abril, 2024
- Guia prático oferece estratégias para aproveitar o potencial das novas ULS 17 de Abril, 2024
- GSK anuncia resultados positivos do ensaio clínico de fase III DREAMM-8 17 de Abril, 2024
- Startup portuguesa que conecta enfermeiros a turnos ambiciona crescer no Brasil 17 de Abril, 2024
NOTÍCIAS MAIS LIDAS
- Ainda nem todos os técnicos auxiliares de saúde viram reconhecida nova carreira 800 visualizações
- Quem defende os médicos que não são assalariados do Estado? 718 visualizações
- Tromboembolismo venoso – Estender tratamento é tão importante como iniciar 623 visualizações
- A importância da participação de doentes em congressos médicos 522 visualizações
- Cinco diferenças entre a pílula do dia seguinte e uma pílula abortiva que tem de saber 449 visualizações
- Bastonário da OM tem receios quanto à falta de autonomia da Medicina Geral e Familiar nas ULS 361 visualizações