Lápis Azul: Entretidos ou distraídos?
Podemos enquanto cidadãos andar entretidos ou distraídos, seja entre preocupações […]

Lápis Azul: Entretidos ou distraídos?

Podemos enquanto cidadãos andar entretidos ou distraídos, seja entre preocupações esvanecidas e promessas de riqueza eterna, ou de resultados brilhantes e afectos finalmente fatigantes.

Podemos até andar entretidos ou distraídos, convencidos de que enfim os dias maus acabaram de vez e atarantados por quantos dizem que o país já está farto de boas notícias…

Podemos até andar entretidos ou distraídos com tantos turistas que, de ponta a ponta e de lés a lés, nos enchem de divisas e de sorrisos espantados, abarrotados entre tantas iguarias e obnubilados pelas excelentes pingas com que arrotam, antes de adormecer.

Mas quando ouvimos falar em OCDE, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico, aguçamos a atenção à espera de ouvir os maus resultados ou dados estatísticos que habitualmente nos marcam a alma e entram no bolso.

Passou quase em claro um relatório recente sobre o desperdício na gestão financeira da saúde – “Tackling Wasteful Spending on Health”.

Para nós médicos e profissionais de saúde o Relatório não é muito simpático. E nem falo por sermos Portuguesas e Portugueses, falo por sermos profissionais de saúde.

De facto, um terço dos cidadãos do conjunto de países da OCDE observa o sector da saúde como “corrupto ou extremamente corrupto”!

Trata-se de um primeiro dado brutal e chocante, a merecer séria reflexão num tempo em que a informação se espalha mais depressa que o vento e que, neste caso, ainda nem parecer manipulada pelos russos “Trump like”…

No conjunto dos países, a estimativa da OCDE aponta para que, em termos médios, pelo menos 6% da despesa realizada com a dispensa de serviços de saúde pelos Estados deva corresponder ao resultado das perdas por erros, por acção e omissão, e por burla ou fraude!

Tudo isto quando o discurso que prevalece, cá e lá fora, aponta para que a dispensa de cuidados de saúde está em transformação generalizada e aprofundada – entre nós até a orientar o Ministério da Saúde a partir de estruturas super-activas de Coordenações de Cuidados Hospitalares, de Cuidados Primários e de Cuidados Continuados!

Ou seja, não parece que o sistema baseado em resultados baste para reformar os sistemas de saúde, nem basta criar instrumentos e ferramentas que desmaterializem ou promovam transparências.

Creio sinceramente que à transparência a nulidade constitua atractivo suficiente.

Mas voltemos ao Relatório da OCDE.

E ao impacto na análise assistencial.

A questão de não perceber que a oferta e a procura em saúde pode induzir perversões e complexidade, a par da iliteracia em saúde, leva a conclusões como a de que um mínimo de 10% dos doentes acabam dendo prejudicados sem necessidade nos serviços de saúde.

Mas pior do que isso, mais 10% da despesa realizada no sector hospitalar ou de cuidados diferenciados vai ser o resultado directo de problemas e patologia infecciosa aí contraída e também da correcção e resolução de erros clínicos, quer individuais, quer estruturais.

De resto e em particular, Portugal apresenta-se mais mal classificado exactamente no plano das complicações infecciosas em estruturas e instalações de saúde e no acesso e grau de utilização dos serviços de urgência.

Ou seja, até lá fora – a OCDE – já verificou esse exagero absurdo que é representado pela procura de serviços de urgência ou similares para tudo e mais alguma coisa, injustificada e inutilmente.

Resumindo, contra tudo o que se disse, o combate ao desperdício ainda não pode ter terminado em Portugal e na saúde.

E para além do gasto desnecessário e por isso doloso, ainda acarretando prejuízo relevante para a saúde das pessoas e da sociedade e por essa via, em cascata, agravamento de absentismo, aumento de gastos não comparticipados, perdas de tempo a familiares e cuidadores, deslocações desnecessárias, impacto na economia nacional e rombo na segurança social…

Podemos continuar entretidos ou distraídos.

Até poderemos ser assim mais felizes.

Mas alguém deveria ter a obrigação de acordar e abandonar a letargia, típica do verão que se aproxima, mas característica dos répteis.

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