29 Jan, 2020

Hospitais proibidos de comprar medicamentos para cancro e VIH

Só nos últimos três anos, o Tribunal de Contas recusou conceder visto a 35 contratos. Em causa está uma lei, de 2012, que impede as compras aos hospitais com saldo negativo.

Nos últimos três anos, entre 2017 e 2019, o Tribunal de Contas (TdC) recusou conceder visto prévio, obrigatório por lei, a, pelo menos, 35 contratos de aquisição de medicamentos, justificando a decisão com o facto de os hospitais que os pedem apresentarem saldo negativo. A contabilização é feita esta quarta-feira pelo jornal Público. Para além dos fármacos, foi também recusada a compra de alimentação, tratamento de roupa, serviços de diálise ou informáticos, radiologia e seguros de trabalho.

Lei dos Compromissos e dos Pagamentos em Atraso a que os hospitais estão obrigados, criada em 2012 pelo governo de Pedro Passos Coelho, obriga os hospitais a terem um saldo positivo para poderem assumir compromissos deste género. O incumprimento das regras é condição o Tribunal de Contas considerar o contrato nulo e recusar a compra.

Só nos últimos dois meses, o TdC recusou o visto a quatro contratos de aquisição de fármacos para tratamento do cancro, VIH, artrite e também para a doença de Fabry. Em causa estão pedidos dos Hospital de Guimarães, Amadora-Sintra e do Centro Hospitalar de Lisboa Norte (de que faz parte o maior hospital do país, o Santa Maria).

Em Guimarães, a administração do hospital foi impedida de adquirir o Etanercept, um fármaco utilizado em patologias como a artrite reumatóide, espondilite anquilosante e psoríase. O mesmo aconteceu com o Migalastate, um medicamento essencial para combater a doença de Fabry, uma doença genética rara que tem grande predominância na zona do Minho, segundo avança o Jornal de Notícias.

 

TdC é sensível ao problema?

 

O Hospital de Guimarães ainda alegou que os medicamentos em causa são “essenciais para a prestação de cuidados de saúde” e que a recusa da aquisição “constituiria uma grave violação do princípio da proporcionalidade e do direito à saúde”. mas o TdC não foi sensível a estes argumentos. Contudo, numa aparente contradição, o TdC disse ser “sensível à relevância desta questão” e revela mesmo que há cerca de dois anos “o presidente do TdC enviou ao ministro da Saúde uma deliberação dos Juízes da 1.ª Secção alertando para a situação e pedindo para que a mesma fosse ‘levada ao conhecimento de Sua Excelência o ministro da Saúde para os efeitos julgados convenientes’”.

Já em Lisboa, o Centro Hospitalar de Lisboa Norte viu recusada a compra de Lenalidomida e de Talidomida, dois fármacos usados no tratamento de cancros hematológicos (como síndrome mielodisplásica e o mieloma múltiplo). Já o Hospital Fernando da Fonseca, ou Amadora-Sintra, foi impedido de comprar Raltegravir, um medicamento para tratar o VIH. O contrato tinha o valor de 673 mil euros.

Contudo, as decisões do TdC são passíveis de recurso e os hospitais que viram os vistos recusados prometem contestar os acórdãos. Garantem mesmo que nenhum doente ficará por tratar.

 

Suborçamentação crónica obriga a empréstimos

 

O problema da suborçamentação não é nova e tem motivado críticas à forma como o Ministério da Saúde distribuiu as verbas para cada Centro Hospitalar. No ano passado, o Centro Hospitalar de São João, no Porto, dirigiu-se diretamente ao secretário de Estado do Orçamento, pedindo-lhe um reforço orçamental para 2019. Isto porque o orçamento do ano passado atribuído ao Centro Hospitalar na rubrica de medicamentos só permitia cobrir 45% das despesas previstas.

A Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares (APAH) queixa-se de o tema nunca ter sido debatido com a tutela. Alexandre Lourenço, o presidente da APAH, recorda que foi pedida uma reunião urgente aos ministérios das Finanças e da Saúde, em junho de 2018, em que um dos temas era a recusa de vistos por incapacidade de os hospitais cumprirem a lei. Contudo, o encontro nunca aconteceu.

Manietados pela lei, os hospitais têm contornado o problema através de empréstimos entre si. O governo tem tentado minimizar a situação com o reforço dos contratos-programa mas Alexandre Lourenço diz que o aumento da verba “não resolve o problema”.

TC/SO

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