Hipertensão Pulmonar: “Plano de contingência centrou-se em garantir o seguimento próximo dos doentes”

A coordenadora da Unidade de Hipertensão Pulmonar do Hospital Garcia de Orta, conta como está a ser a adaptação à nova realidade e explica a necessidade de resguardar estes doentes

Que mudanças foram feitas na Unidade de Hipertensão Pulmonar do Hospital Garcia de Orta durante o período em que o Serviço Nacional de Saúde se concentrou na resposta à pandemia causada pelo novo coronavírus de forma a continuar a assegurar os cuidados aos doentes com hipertensão pulmonar?

A pandemia justificou restruturações em todos os sectores do Serviço Nacional de Saúde e a nossa unidade não foi uma exceção. O nosso plano de contingência centrou-se em garantir o seguimento próximo que os doentes com hipertensão pulmonar exigem, evitando que estes se deslocassem desnecessariamente ao hospital. Para isso, todos os nossos doentes foram contactados telefonicamente com o objetivo de os tranquilizar referindo que o seu seguimento estava assegurado, mantendo as consultas previamente agendadas, mas que seriam realizadas telefonicamente. Nesse contacto telefónico eram ainda reforçadas as medidas de higiene respiratória e a necessidade de distanciamento social e cumprimento do confinamento de acordo com as orientações da Direção Geral da Saúde. Mantivemos o apoio telefónico com disponibilidade 24 horas por dia.

Felizmente, com as medidas de contenção adotadas, a evolução da pandemia em Portugal permitiu que não fosse atingido o limite do Serviço Nacional de Saúde o que permitiu que conseguíssemos manter, durante todo este período, a nossa atividade de diferenciação.

Durante a consulta telefónica era feita uma triagem dos doentes de acordo com a sua gravidade em três grupos: os estáveis e satisfatórios, sem necessidade de nenhuma ação adicional, os que tiveram agravamento clínico sem critérios de gravidade para os quais eram agendados um conjunto de exames a serem realizados no mesmo dia, que permitisse uma melhor restratificação  de risco e os doentes que tiveram um agravamento clínico com critérios de gravidade onde era sugerido internamento para investigação mais célere e ajustada a terapêutica.

Foi necessário alterar ou reajustar alguma da terapêutica hospitalar utilizada no tratamento da hipertensão pulmonar nesse período?

Os vasodilatadores pulmonares, são fármacos de dispensa exclusivamente hospitalar e são a base do tratamento para os doentes com hipertensão arterial pulmonar e para alguns doentes com hipertensão pulmonar tromboembólica crónica. Felizmente foram sempre assegurados pela farmácia hospitalar que fez um excelente trabalho neste período não só através do fornecimento de fármacos para um período mais longo, mas também garantindo o fornecimento dos mesmos em farmácias comunitárias de proximidade ou mesmo em casa. Durante este período foi necessário ajuste de terapêutica (substituição ou acréscimo) para alguns doentes em que o agravamento clínico coincidiu com o agravamento da doença e que foi sempre assegurado pela farmácia hospitalar que manteve também durante este período as reuniões da comissão de farmácia e terapêutica.

Quando o Serviço Nacional de Saúde está, aos poucos, a retomar a atividade assistencial de forma mais regular nas restantes áreas para além do combate à pandemia, que novos procedimentos e rotinas vieram para ficar no seguimento dos doentes com hipertensão pulmonar?

Na verdade, mesmo antes da pandemia, o nosso centro de hipertensão pulmonar já recorria muitas vezes a consultas telefónicas para verificação da complience terapêutica, sintomas sugestivos de agravamento e reforço do ensino. Inclusivamente os doentes são instruídos a avaliar em casa alguns parâmetros como peso, tensão arterial, frequência cardíaca e por vezes saturação periférica de oxigénio e comunicam esses valores pelo telefone. Iremos manter esses contactos que considero serem uma mais valia.

Dado o caracter progressivo da hipertensão pulmonar e a necessidade da realização frequente de exames complementares de diagnóstico, não acho que o número de consultas presenciais possa ser reduzido, até porque o nosso objetivo é detetar o agravamento antes dos doentes apresentarem sintomas e muitas vezes isso só pode ser feito com a realização seriada de exames e a comparação dos mesmos.

Uma alteração que veio para ficar são as reuniões multidisciplinares feitas por videoconferência. A hipertensão pulmonar depende do input de muitas especialidades – como Pneumologia, Radiologia, Medicina Interna, Reumatologia, Cirurgia Cardíaca, Fisiatria, etc. – e nem sempre é fácil conciliar todos para discutir alguns doentes menos lineares. Durante a pandemia aderimos às conferências por vídeo e penso que a maioria dos médicos está muito satisfeita com o resultado porque permite partilha de informação clínica de uma forma rápida e eficaz, sem perda de qualidade e sem causar tanta entropia no nosso trabalho habitual.

Em termos de evidência científica, o que já existe reportado relativamente à resposta do doente com hipertensão pulmonar em caso de infeção pelo vírus SARS-CoV-2? É considerado um doente de risco para o desenvolvimento da doença, a COVID-19?

No início pensávamos que a hipertensão pulmonar conferisse um risco aumentado de mortalidade, mas com a evolução da pandemia e de acordo com a literatura publicada a pneumonia a COVID-19 tem sido menos grave do que o esperado. O número de doentes que necessita de cuidados intensivos e ventilação mecânica tem inclusivamente sido menor comparativamente com outros grupos de risco e com mortalidade que varia entre os 6% e 8%. Várias hipóteses foram formuladas para justificar esse achado: será que têm menos recetores para os vírus? Será que existe um efeito protetor dos fármacos vasodilatadores pulmonares e da anticoagulação oral?

Apesar destes achados, é recomendado aos doentes com hipertensão arterial pulmonar precauções extra para evitarem a infeção, até porque a pré-existência desta doença poderá condicionar uma maior mortalidade nos subgrupos com falência respiratória pelo facto da ventilação mecânica (invasiva e não invasiva) ser mais dificilmente tolerada neste grupo de doentes.

Que impacto teve a pandemia nos novos diagnósticos de hipertensão pulmonar? Notou algum decréscimo no pedido de primeiras consultas na unidade?

No nosso plano de contingência mantivemos a atividade também para a avaliação das primeiras consultas. A triagem era feita baseada na informação clínica enviada pelos médicos referenciadores de acordo com os parâmetros referidos para os doentes já em seguimento. Naturalmente que houve um decréscimo das referenciações novas no mês de abril e maio facilmente justificada pela desmarcação alargada de consultas de médicos potencialmente referenciadores e dos métodos complementares de diagnóstico.

Relembro que uma ferramenta indispensável para o screening da doença é o ecocardiograma transtorácico, que é um exame não invasivo, inócuo e normalmente de fácil acesso, mas durante este período não foram realizados a uma grande percentagem de doentes quer seja por terem sido desmarcados a pedido das instituições de saúde, quer seja pelo medo que os doentes demonstravam em ir às instituições de saúde realizá-los.

RV/SO

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