21 Mar, 2023

Entrevista. “Os doentes e sobreviventes de cancro têm maior incidência de patologias depressivas e ansiosas”

A Secção de Psico-Oncologia (PO) da Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental (SPPSM) vai organizar o I Curso de Psico-Oncologia entre os dias 3 de maio e 29 de julho. Ao SaúdeOnline, a presidente da Secção, Guida da Ponte, fala sobre a ação formativa e alerta para o impacto do cancro na saúde mental.

A Secção de Psico-Oncologia está a organizar um Curso. Em que consiste e quando vai ser?

Trata-se de um curso que tenta responder a necessidades sentidas na área. Perante componentes teórica e prática e interface com outras especialidades médicas e áreas adjacentes ao tratamento do doente oncológico, serão abordados quadro clínicos sindromáticos, gerais e específicos do doente oncológico, sua etiologia e tratamento, farmacológico e psicoterapêutico, bem como cuidados paliativos – o objetivo é perspetivar o doente de uma forma holística.

 

E a quem se dirige?

 O I Curso de PO dirige-se a profissionais médicos e não médicos. Fruto do conteúdo programático, existem aulas mais específicas com temas direcionados especificamente para médicos, e outros temas, interdisciplinares, cujo público-alvo é transversal àqueles que trabalham na área da PO. O I Curso de PO é pensado para o médico interno que pretende especializar-se na área de PO bem como para aqueles que trabalham na área e tenham interesse na formação contínua.

“O confronto com o diagnóstico de cancro, a recidiva, a fase avançada, bem como as limitações importas pela doença, ou a fase de sobrevivência, é revestido de especificidades que desafiam a capacidade de adaptação do ser humano”

Quais os problemas de saúde mental que mais afetam os doentes e sobreviventes de cancro?

Os doentes e sobreviventes de cancro, pela sua especificidade, têm maior incidência de patologias depressivas e ansiosas. O confronto com o diagnóstico de cancro, a recidiva, a fase avançada, bem como as limitações importas pela doença, ou a fase de sobrevivência, é revestido de especificidades que desafiam a capacidade de adaptação do ser humano e podem provocar a emergência de questões existenciais, dando origem às síndromas existenciais ou psicossociais, como a desesperança, desmoralização, ou desejo de morte antecipada – estes são conceitos intimamente à espiritualidade que, apesar de não cumprirem critérios para diagnóstico de perturbações psiquiátricas segundo os manuais classificatórios, têm um importante impacto na qualidade de vida.

 

Além de tratamentos farmacológicos, que outros são aconselhados?

A psicoterapia é um tratamento essencial para o doente oncológico. As problemáticas adjacentes à adaptação às várias fases da doença, bem como ao ciclo de vida, são apenas trabalhadas mediante uma abordagem psicoterapêutica que promova os mecanismos de coping necessários para o ajustamento e resiliência. A compreensibilidade do doente e do seu ambiente envolvente é fator fundamental para uma abordagem psicoterapêutica de sucesso e transversal a qualquer modalidade.

 

Existe alguma limitação na prescrição de fármacos quando o doente está a fazer tratamento para o cancro?

No que diz respeito à especialidade de Psiquiatria, a prescrição de fármacos ocorre, à semelhança das outras especialidades, para a farmácia “de rua” (à exceção, e de acordo com legislação recente, dos injetáveis de longa duração, usados para doenças mentais graves, que passaram a ser cedidos pelos hospitais).

“Porque o cancro é uma doença do doente e do seu cuidador, há-que prevenir o burnout e a exaustão e tratar a psicopatologia” 

Além de tratarem do doente oncológico, também pode ser necessário prestar cuidados aos cuidadores?

O apoio aos cuidadores do doente oncológico é crucial e, por vezes, descurado em prol do doente. Cuidar dos cuidadores é cuidar do doente oncológico, e é garantir a sua qualidade de vida. Porque o cancro é uma doença do doente e do seu cuidador, há-que prevenir o burnout e a exaustão e tratar a psicopatologia. O cuidador é uma peça fundamental na equação doença-doente e é, ele própria, uma pessoa que precisa de cuidados.

 

Na sua opinião, em Portugal deveria haver uma maior aposta na área da Psico-Oncologia?

A área de PO, na presente data, está confinada a alguns hospitais centrais e poucos hospitais periféricos. De acordo com a National Comprehensive Cancer Network, a prestação de cuidados psicossociais deve ser integrada em todos os serviços de oncologia, numa efetiva articulação entre profissionais. No entanto, em Portugal, há ainda caminho a fazer: promover a literacia da população para os cuidados psicossociais, sensibilizar os doentes e os cuidadores, mas também os profissionais que trabalham na área da PO. A aposta na formação médica pós-graduada é certamente o caminho a seguir e que conseguirá resultados promissores.

SO

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