Entrevista. “O subdiagnóstico do glaucoma é uma realidade presente em países com sistemas de saúde muito diversos”
Teresa Gomes, médica oftalmologista e coordenadora do Grupo Português de Glaucoma da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia (SPO), alerta para o “subdiagnóstico” do glaucoma. Aponta ainda a necessidade de haver formas de sinalizar os grupos de risco.
Qual a prevalência do glaucoma em Portugal quer no adulto como na criança?
A prevalência do glaucoma em Portugal é estimada com base nas estatísticas da OMS e nos resultados de estudos populacionais que têm permitido chegar a valores mais rigorosos deste índice. Assim, estima-se que, em Portugal, cerca de 2% da população em geral e de 5% da população com idade superior a 50 anos tenham glaucoma, o que significa que entre 100.000 e 200.000 pessoas em Portugal sofrem de alguma forma desta doença. O glaucoma na idade pediátrica é raro. Há diferentes tipos de glaucomas nas crianças. Os glaucomas congénitos primários, que aparecem nos primeiros anos de vida, têm uma incidência reportada de cerca de 1 em cada 10 000 nados-vivos. Tendo em conta os dados mais recentes da natalidade em Portugal, em cerca de 80.000 bebés por ano teremos cerca de 8-10 novos casos por ano com esta patologia.
Qual é a causa da doença?
Glaucoma é a designação dada a um conjunto de entidades clínicas que têm como característica comum a lesão irreversível do nervo ótico. Esta lesão tem características morfológicas e funcionais específicas que permitem diferenciar o glaucoma de outras neuropatias óticas. Não podemos falar de uma causa da doença, podemos sim, apontar fatores de risco que concorrem para este resultado final, sendo a hipertensão ocular uma das mais importantes. Não só porque está presente na maioria dos glaucomas, mas também porque é o único fator de risco que conseguimos tratar. Outros fatores importantes a ter em conta são a idade, a miopia, a história familiar e ser afrodescendente.
“É fundamental alertar a sociedade civil para que, pelo menos a partir dos 40 anos, ou antes, se existirem fatores de risco para a doença, deve ser feita uma consulta”
Existe subdiagnóstico, já que muitas pessoas vão somente às óticas e não tanto às consultas de Oftalmologia?
O subdiagnóstico do glaucoma é uma realidade presente em países com sistemas de saúde muito diversos, o que pressupõe a existência de causas não relacionadas com esta estruturação. Provavelmente, são fatores determinantes: a ausência de sintomas até uma fase tardia da doença, o desconhecimento pela população dos fatores de risco para a doença e a inexistência de processos validados de triagem das populações. É fundamental alertar a sociedade civil para que, pelo menos a partir dos 40 anos, ou antes, se existirem fatores de risco para a doença, deve ser feita uma consulta com um médico de Oftalmologia para despistar sinais de glaucoma.
Na sua opinião, se houvesse maior facilidade de acesso a cuidados de Oftalmologia haveria menos casos graves de glaucoma, sobretudo entre os mais idosos?
O fácil acesso aos cuidados de saúde é sempre um fator positivo na prevenção e tratamento das doenças. Parece-me, no entanto que, não sendo infinita a capacidade de atendimento, quer a nível estatal quer a nível privado, o aparecimento de meios eficazes de triagem e/ou formas de sinalizar os grupos de risco, no sentido de priorizar o atendimento pelos recursos instalados a estes doentes, poderia melhorar muito a realidade atual.
“É importante sublinhar que não existe um tratamento, seja ele cirúrgico ou não, que seja a resolução definitiva para todos os casos”
Que tipo de tratamentos estão disponíveis?
A terapêutica atual tem por objetivo a redução da pressão intraocular. Com este fim, o médico oftalmologista tem à disposição colírios hipotensores oculares, LASER e vários procedimentos cirúrgicos. A esmagadora maioria dos doentes é tratada e fica com a doença estabilizada com colírios. No entanto, tendo em conta a diversidade de glaucomas existentes, o algoritmo terapêutico deverá ser ajustado a cada caso. É importante sublinhar que não existe um tratamento, seja ele cirúrgico ou não, que seja a resolução definitiva para todos os casos. Uma afirmação deste teor não pode ser considerada verdadeira no momento presente.
É a nova coordenadora do Grupo Português de Glaucoma da SPO desde janeiro deste ano. Que objetivos tem para o seu mandato?
O objetivo será sempre continuar o trabalho daqueles que me precederam neste cargo. Gostaria de dar algum contributo no sentido de melhorar o registo epidemiológico dos glaucomas, contribuir para melhorar o conhecimento da doença entre os colegas de outras especialidades e na sociedade civil, continuar a fazer ações de formação para os colegas oftalmologistas e participar ativamente nas reuniões internacionais de glaucoma de maior relevo. Tenho a grande mais-valia de contar com o trabalho de uma equipa muito competente de colegas dedicados a esta subespecialidade, que tem sido e continuará a ser determinante para alcançar os objetivos definidos para estes dois anos de mandato.
SO
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